sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A VIDA NOS MUNDOS INVISÍVEIS -BLOCO I

O texto foi dividido em blocos para que o blog pudesse salvar em pequenas quantidades. A cada final, teremos a palavra continua com o nome do próximo título.
É uma viagem ao mundo real a qual um dia todos partiremos para lá. (páginatres)

A  VIDA  NOS  MUNDOS INVISÍVEIS

Poucas pessoas existirão que não tenham por vezes indagado o que acontecerá após a morte. A maioria tem idéias formadas sobre Céu e Inferno, mas para obter algo mais sólido e não convencional acerca de tão importante questão, devemos nos voltar a outras fontes mais precisas.
Há muitos anos, o Monsenhor Robert Hugh Benson, filho de um ex-Arcebispo de Cantuária, escreveu um livro intitulado Os Necro-mantes, o qual obteve considerável fama, porém desvirtuava a realidade da co­municação dos espíritos. Em sua introdução à presente obra, o autor esclarece que, ao passar para a vida espiritual, Monsenhor Benson chegou a saber que suas idéias eram inteiramente erradas. Assim, um dos seus principais objetivos na nova esfera de existência foi, justamente, esforçar-se por corrigir a falsa noção que havia divulgado em seus escritos quando ainda na terra; para tanto, entrou em comunicação com o autor, o qual fielmente registrou as mensa-gens recebidas. Sua principal finalidade na divulgação dessas mensagens era tentar re-mover da mente dos homens o temor da morte, através do reexame de sua experiên­cia pessoal e a transmissão do conhecimento que havia adquirido no mundo do espírito.
Neste livro o leitor passa a conhecer a vida nas regiões do Além, e essa vida é relatada nos mínimos pormenores de suas variadas esferas de atividades, dos mais baixos aos mais elevados reinos.
Para aqueles que acreditam existir uma vida após a morte, a presente obra oferece um profundo interesse; e para aqueles, em dúvida, o esclarecimento e a promessa de . uma nova e superior existência no futuro.

PREFÁCIO


Sinto-me satisfeito em prefaciar este livro, o qual oferece um quadro pitoresco da existência vivida nas esferas espi­rituais por aqueles que na terra agiram de acordo com as leis divinas. A assertiva confirma tudo aquilo que positivei certo e verdadeiro em minhas investigações acerca de uma filosofia do pensamento.
Esta obra tranqüiliza aqueles que no presente vivem uma existência voltada para o bem, e encoraja os outros no sentido de modificarem seus impulsos mentais, assim evitando que penetrem nas esferas sombrias do mundo espiritual, que resultam da aceitação das malignas vibrações da terra, vibrações que nos têm causado não pouca adversidade.
O pensamento é a força criadora do Universo conforme as ações individuais para o Bem ou para o Mal. Enquanto vivermos na terra, estaremos instituindo a nossa própria he­rança no mundo do espírito, e este será exatamente o reflexo da qualidade de nossos pensamentos.
Causa e efeito é lei cósmica imutável, mas o homem é livre para agir de acordo com o seu arbítrio. O que ocorre com a alma ao entrar para o mundo espiritual é justamente o resultado de sua escolha de conduta na terra. A punição do Mal é o remorso da alma eterna imposto pela reação da consciência de cada um.
No passado, as responsabilidades da vida e as conse­qüências das ações pessoais têm obscurecido a mente coletiva

da Humanidade.   Por esta razão, as religiões ortodoxas fa lharam em estabelecer a paz na terra segundo os ensinamentos do Grande Mestre.
A Civilização vive seus últimos caminhos, e é de espe­rar que novas obras de informações como esta apareçam a fim de favorecer a regeneração espiritual do mundo com o estabelecimento da paz e da harmonia entre os homens.

Sir John Anderson

INTRODUÇÃO  DO AUTOR


O conhecimento é o melhor antídoto para o temor, espe­cialmente se este temor diz respeito à existência após a morte.
Para saber que espécie de lugar é o outro mundo, nós devemos indagar de alguém que lá está e registrar o que esse alguém disser.   Isto foi feito neste livro.
O informante, de quem pela primeira vez tive conheci­mento em 1909, cinco anos antes de sua passagem ao mundo espiritual, foi na terra conhecido como Monsenhor Robert Hugh Benson, filho de Edward White Benson, ex-Arcebispo de Cantuária.   .
Até que estes escritos se redigissem, jamais se havia comunicado diretamente comigo, se bem que em certa ocasião fosse eu informado por outro espírito de que êle desejava corrigir certas coisas. As dificuldades da comunicação fo-ram-lhe explicadas por espíritos e conselheiros, mas êle persistiu em seu propósito. Assim, quando a época adequada se apresentou, foi-lhe dito que podia comunicar-se através de algum amigo de seus dias na terra, tendo sido eu a privi­legiada pessoa escolhida para atuar como seu intérprete.
A primeira narrativa intitulou-se Além Desta Vida, e a segunda O Mundo Invisível.
Na primeira, Monsenhor apresenta, numa perspectiva geral, o relato de sua morte e as subseqüentes viagens através das várias regiões das terras espirituais.  Na segunda,

trata pormenorizadamente dos fascinantes e importantes fatos
e aspectos da vida do espírito, sobre os quais, anteriormente
havia apenas tocado de passagem e levemente.
Por exemplo: em Além Desta Vida, menciona os reinos
superiores e os inferiores. Em O Mundo Invisível
realmente
os visita e descreve o que viu e ocorreu nesses lugares. Se
bem que cada uma das narrativas seja autônoma e completa,
a segunda acrescenta nova matéria à primeira e ambas
formam um todo uno e indivisível.                                      
Somos velhos amigos, e sua passagem não interrompeu antiga amizade; pelo contrário, ficou fortalecida e propor-cionou melhores oportunidades de encontro do que teria sido possível quando Monsenhor ainda vivia na terra.  Constante­mente êle expressa o seu prazer de voltar numa natural normal, sadia e agradável maneira, oferecendo informações de suas aventuras e experiências no mundo do espírito assim como quem "estando morto (segundo o consideram inúmeras pessoas), ainda assim pode falar".
Anthony Borgia

PRIMEIRA PARTE



ALÉM DA VIDA



I.   Minha Vida na Terra
Quem sou não importa. Quem fui importa menos ainda. Nós não trazemos conosco para o mundo do espírito as po­sições que ocupamos na terra. Tudo isso ficou para trás, inclusive a minha importância terrena. O valor espiritual é o que importa agora, meu bom amigo, e esse valor está muito além do que seria ou poderia ser. É o bastante, a respeito do que sou. Quanto ao que fui, gostaria de transmitir algumas informações sobre a minha atitude mental, anterior ao meu passamento e entrada no mundo em que hoje vivo.
Minha vida terrena não foi difícil, pois jamais passei privações, se bem que fosse árdua em relação aos trabalhos de ordem mental. Nos meus primeiros anos fui atraído para a Igreja pelo misticismo em que ela se envolve e por ter sido eu mesmo uma personalidade mística. Os mistérios da religião expressos numa profusão de luzes, vestes e cerimoniais, pa­reciam satisfazer inteiramente o meu espírito. Muitas coisas, naturalmente, eu não entendia, mas a partir do momento em que passei para o mundo espiritual, elas deixaram de ter importância. Eram problemas religiosos provocados pela mente humana, e na verdade não tinham nenhuma signifi­cação no grande esquema da vida.   Mas a esse tempo, como tantos outros, eu acreditava totalmente em tais coisas, sem um vislumbre de entendimento, e se algum entendimento havia, era ínfimo. Ensinei e preguei segundo os textos orto­doxos, firmando minha reputação. Quando refletia sobre uma futura existência, eu pensava — e muito vagamente — naquilo que a Igreja me havia ensinado e que era infinitamente pequeno e mais falso ainda. Eu não compreendia a proxi­midade dos dois mundos — o meu e o vosso, — embora tivesse uma ampla demonstração disso. As experiências que tive em ocultismo foram acontecimentos espontâneos, e, pen­sava eu, provenientes de qualquer extensão de leis naturais; julguei-os antes incidentes ocasionais, do que ocorrências normais.
O fato de ter sido um sacerdote não me impediu de receber visitas daqueles que a Igreja preferiu chamar de­mônios, se bem que jamais tivesse visto, devo confessar, qualquer coisa que remotamente se parecesse com tal. Nunca entendi como pudesse ser e o que era afinal, na esfera terrestre, aquilo que denominam um sensitivo, um psiquista — uma pessoa dotada de poderes de visão, ainda que em grau limitado.
Eu considerava perturbadora essa intromissão de facul­dades psíquicas em meu ministério sacerdotal, visto como se chocava contra as minhas idéias ortodoxas. Procurei, então, aconselhar-me entre os meus colegas, mas eles sabiam menos ainda que eu e apenas decidiram rezar por mim, a fim de afastar os demônios de meu caminho. Suas preces em nada me beneficiaram, o que seria de se esperar — como agora o sei. Fossem minhas experiências desenvolvidas em alto plano espiritual, eu teria sido consi­derado um verdadeiro santo. Mas, na realidade, não foi assim, pois essas experiências ocorriam com qualquer outro dotado dos mesmos poderes. Tratando-se, porém, de um sacerdote da Santa Igreja, elas eram entendidas como "ten­tações do demônio", tratos com o diabo e, por outro lado, como alguma forma de aberração mental, caso ocorressem com leigos. O que os sacerdotes meus colegas não entendiam era que tais poderes podiam ser considerados um dom — um


precioso dom, segundo os compreendo agora — e de caráter inteiramente individual, tanto no meu caso como em todos os outros, e que rezar para que fossem removidos seria tão insensato como rezar para que se removesse do artista o dom de tocar piano ou de pintar. Não seria apenas uma insen­satez, mas incontestàvelmente um erro, visto que esse dom de ver além do véu celeste fora outorgado para ser exercido em favor da Humanidade. Posso pelo menos regozijar-me de que jamais orei para que tais poderes me fossem retirados; pelo contrário, orei para que maior luz se fizesse em meu entendimento.
A grande barreira a quaisquer novas investigações a respeito dessas faculdades, era, e é, a atitude da Igreja: insensível, inflexível, estreita e ignorante. As investigações, ainda que por caminhos longos, ainda que exaustivas, rece­biam, invariavelmente, o mesmo julgamento final: "Tais atividades têm sua origem no demônio". E eu estava amar­rado pelas leis dessa Igreja, administrando seus sacramentos, divulgando seus ensinamentos, enquanto o mundo do espírito batia à porta de minha própria existência, tentando mostrar--me, para que eu mesmo visse, o que não poucas vezes havia contemplado — a nossa vida futura.
Enunciei em meus livros muitas de minhas experiências psíquicas, torcendo porém as narrativas no sentido da re­ligião ortodoxa. A verdade estava lá, mas o sentido e a finalidade foram deformados. Num trabalho mais amplo achei que devia defender a Igreja contra os assaltos daqueles que acreditavam na sobrevivência da alma após a morte do corpo e julgavam possível a comunicação dos espíritos. Nesse trabalho atribuí ao demônio — contra o meu melhor julga­mento — aquilo que eu realmente conheci como sendo a atividade de leis naturais, acima e independente de qualquer religião ortodoxa, e não de origem maligna.
Para seguir as minhas próprias inclinações, eu teria que infligir à minha vida, uma completa revolução, a renúncia às idéias ortodoxas, e, muito  provavelmente, um grande sacrifício material, visto que eu possuía também boa reputação como escritor. Tudo quanto já havia escrito iria perder o seu valor, desde então, aos olhos dos lei­tores e além disso eu seria olhado como um louco ou herege. Assim, deixei passar a maior oportunidade da minha vida. Quão grande foi essa oportunidade e quão grande o remorso dessa perda, eu fiquei sabendo ao trans-ferir-me para este mundo, cujos habitantes já vira tantas vezes e em tão diferentes ocasiões. A verdade estivera ao meu alcance e eu a deixei escapar. Entregara-me à Igreja, e seus ensinamentos estavam fortemente aderidos a mim. Via que milhares de pessoas pensavam como eu, e isto me enco­rajava de tal forma, que não era capaz de pensar que tanta gente poderia estar errada. Tentei separar minha vida religiosa das experiências psíquicas que sucediam comigo, tratando-as como dois fatos completamente estranhos um ao outro. Era difícil, mas dirigi os acontecimentos de tal modo que houve menor inquietação mental, e assim prossegui até o fim, quando, então, vi-me no limiar daquele outro mundo, de que já tinha visto manifestações. Do que sucedeu comigo ao deixar de ser um habitante da terra, passando para o grande mundo dos espíritos, espero a seguir dar-lhes alguns pormenores.



II.  Passagem Para o Mundo do Espírito


O real processo da morte não é necessariamente dolo­roso. Durante minha vida terrena testemunhei muitas dessas passagens para as fronteiras do espírito. Tive oportunidade de observar com os meus próprios olhos a luta mantida pelo moribundo para libertar-se da matéria. Por intermédio de minha visão psíquica, também pude observar essa libertação, mas em parte alguma me foi possível descortinar — segundo as fontes ortodoxas — o que exatamente ocorria no momento da separação, nem consegui saber quais as sensações experi­mentadas pela alma que deixava o corpo.   Os autores de

tratados religiosos não nos informam dessas experiências por uma razão muito simples — eles nada sabem.
O corpo físico dá a impressão muitas vezes de estar sofrendo intensamente de dor ou de asfixia. A morte, pois, oferece o quadro de um sofrimento extremamente doloroso. Seria realmente assim? — era a indagação que sempre fazia a mim mesmo. Qualquer que pudesse ser a resposta, eu não podia acreditar que o processo físico da morte, fosse na verdade doloroso, não obstante tudo indicasse que sim. A resposta à minha indagação, eu sabia que a teria um dia, mas tinha esperanças de que pelo menos não fosse violenta a minha morte. E assim foi, se bem que demorada, como tantas outras que testemunhei.
Eu tinha um presentimento de que os meus dias na terra se encurtavam cada vez mais. Sentia um peso na mente, algo semelhante àquele que nos invade na hora de repousar. Muitas vezes me sentia como que flutuando ao longe e depois voltando suavemente. Durante esses períodos de depressão aqueles que me tratavam sem dúvida julgavam que, se ainda não era a morte, eu caminhava rapidamente para ela. To­davia, em meus intervalos lúcidos não sentia mal-estar físico. Podia ver e ouvir o que ocorria ao meu redor, e podia sentir as aflições que o meu estado causava nos demais. E tinha ainda a sensação de uma grande animação mental. Estava certo de que chegara a minha hora, e fremia de impaciência por ir-me de vez. E não fui assaltado por temores, apreensões, dúvidas ou remorsos nos momentos que prenunciavam a minha partida da terra. Os remorsos viriam mais tarde, mas os relatarei oportunamente. Tudo quanto desejava era ir-me para bem longe.
Repentinamente senti ímpetos de levantar-me, porém, não houve qualquer sensação física, da mesma forma como acon­tece nos sonhos; se bem que sentisse a mente alerta, meu corpo parecia opor-se a tal estado. Tão logo senti esse definido estímulo para levantar-me, percebi que já o tinha realizado.   Descobri, então, que todos os que me rodeavam

não se apercebiam de nada, pois não procuraram auxiliar-me, nem tentaram impedir-me que me levantasse.   Voltei-me e passei a observar o que sucedia.   Meu corpo material jazia sem vida, mas ali estava eu, o eu real, vivo, e bem vivo. Fiquei contemplando ainda um ou dois minutos e logo a idéia do que devia fazer a seguir penetrou minha mente, mas acabara de constatar que não poderia contar com o auxílio de ninguém. Via ainda claramente o quarto ao meu redor, não obstante a névoa que o envolvia totalmente. Examinei-me, a mim mesmo, a fim de verificar como estaria agora vestido, pois que me le­vantara de um leito de morte e não poderia estar em condições de mover-me para além do próprio quarto. Grande foi minha surpresa ao notar. que vestia as roupas habituais, exatamente as mesmas que* usava quando me movimentava livremente | pela casa. em boa saúde.   Uma surpresa aliás momentânea, pois que conjecturei quais seriam as outras vestes que deveria envergar depois.   Certamente nenhuma dessas espécies de manto diáfano...   Mantos desse gênero são comumente li-gadosà idéia convencional de anjos, e eu estava certo de quenão era um deles...
O conhecimento do mundo espiritual como me fora pos-
sível apreender através de minhas próprias experiências, veio
imediatamente em meu auxílio.
Soube logo da mudança que
se operara em minha condição; por outras palavras, fiquei
sabendo que havia
morrido. Contudo, sabia ao mesmo
tempo que estava vivo, isto é, que me havia libertado da
moléstia e me achava de pé, olhando ao redor. Em momento
algum perturbei-me, embora estivesse assaz interessado em
saber o que viria a seguir, pois sentia-me na posse de todas
as minhas faculdades mentais, e realmente num
estado físico
nunca antes experimentado.                            
Conquanto a narração de tais acontecimentos tenha aqui tomado algum tempo, pois desejo dar os maiores detalhes possíveis, na verdade tudo deve ter ocorrido em não mais que alguns minutos do tempo terrestre.
Tão logo me vi em minha nova condição, e tão rapi­damente como tudo sucedeu, percebi a meu lado um sa­cerdote ex-colega, cujo passamento se dera alguns anos antes. Cumprimentamo-nos afetuosamente e notei que se vestia como eu. Novamente isso não me pareceu estranho: se estivesse usando roupas diferentes das minhas, então sim, eu poderia pensar que algo estava errado, uma vez que sempre o conhecera em trajos clericais. Expressou seu grande prazer em rever-me, e de minha parte previ a junção de muitos fios do enigma que se haviam rompido com a sua morte.
Inicialmente, deixei-o falar; devia antes acostumar-me com as novidades que se me apresentavam. Deveis lembrar--vos que eu havia abandonado um leito de morte e que, lan-çando-me fora do corpo material, deixara com êle a minha doença. A nova sensação de bem-estar e libertação das ma­zelas do corpo era tão agradável, que a compreensão total do fenômeno deveria levar algum tempo. Meu velho amigo pareceu compreender imediatamente que eu já estava ciente da minha morte e que tudo ia bem.
Permiti-me acrescentar que nenhuma idéia sobre tribunal de julgamento ou dia do juízo me ocorrera durante aquele processo de transição. Tudo era normal e natural demais para que pudesse sugerir a terrível provação ensinada pela religião ortodoxa, e à qual deveríamos nos submeter após a morte. Os próprios conceitos de julgamento, céu e inferno pareciam totalmente impossíveis. Eram, na verdade, uma fantasia, agora que eu me encontrava vivo e bem vivo, dono de minha verdadeira mente e vestido com as roupas habituais, de pé, diante de um velho amigo que me saudava cordial­mente e mostrava tudo quanto se passava no outro lado da vida, exteriorizando o seu prazer em me ver, e ao qual eu retribuía. Tratava-se de um dos melhores espíritos que co­nheci, tanto ao tempo de vida terrena, como agora, que me acolhia afetuosamente, como dois amigos após longa sepa­ração. Tal fato bastava para esclarecer o absurdo de minhas idéias sobre um julgamento da alma. Ambos estávamos alegres, felizes, despreocupados, naturais, e eu aguardava, emo­cionado, toda a revelação desse novo mundo, o qual ninguém melhor do que êle poderia descortinar-me. Disse que eu me preparasse para inúmeras e agradáveis surpresas e que havia sido enviado para encontrar-se comigo à minha chegada. Como já conhecia o grau de meus conhecimentos, sua ta­refa seria, assim, mais fácil.
Tão logo tentei falar, após o silêncio inicial do encontro, verifiquei que me expressava exatamente do mesmo modo como o fazia quando materialmente vivo, isto é, usando as cordas vocais.   Mas não havia necessidade de pensar para dizer o que quer que fosse; nem mesmo cogitei nisso, apenas notei que assim era. Então o meu amigo propôs que saíssemos, desde que ali nada mais havia a fazer, e que êle me conduziria a um aprazível lugar preparado especialmente para mim. Fez referência a um lugar, mas apressou-se em acrescentar que na realidade eu ia para a minha própria casa, onde me sentiria imediatamente no lar.    Não sabendo ainda como agir, ou por outras palavras, como devia proceder em tais circunstâncias, deixei-me conduzir por suas mãos, fato que, como êle  próprio  dissera, constituía precisamente a sua missão.
Não pude resistir ao impulso de voltar-me e olhar pela última vez o quarto onde ocorrera o meu passamento. Con­tinuava envolvido na mesma névoa. Os que antes rodeavam o meu leito já se tinham ido, e aproximei-me então para contemplar a mim mesmo. Não me impressionei com o que vi; os restos mortais do meu Eu material ostentavam uma total serenidade. Meu amigo então sugeriu que devíamos partir, o que fizemos em seguida.
Nesse momento o quarto se tornava aos poucos mais enevoado até esvanecer-se de minha vista, desaparecendo afinal. Até então eu tinha usado minhas pernas, como sempre, na nossa forma comum de andar, mas em virtude da mo­léstia e suas conseqüências necessitava de um período de descanso antes de esforçar-me demasiado. Por isso, disse o meu amigo que melhor seria não usarmos esse habitual meio de locomoção, isto é, as pernas, e que eu segurasse com fir­meza a sua mão e não temesse o que quer que fosse. Poderia
Caixa de texto:

)u não fechar os olhos, mas de qualquer modo melhor seria para mim se os fechasse. Segurei sua mão e deixei que ele fizesse o resto. Imediatamente experimentei a sensação de flutuar, assim como acontece nos sonhos dos vivos, se bem que eu flutuasse de uma forma real e sem cuidados de segurança pessoal. A velocidade parecia aumentar à medida que o tempo passava, e eu ainda mantinha os olhos firmemente fechados. É estranho que alguém possa realizar tais coisas aqui e com tanta segurança. No plano terreno, caso fossem possíveis condições idênticas, quanta gente teria fechado os olhos com toda a confiança? Aqui não havia dúvidas de que tudo corria bem, não havia temor, nada de mal poderia ocorrer, e além do mais, o meu amigo tinha completo do­mínio de tudo.
Após algum tempo nossa velocidade pareceu afrouxar um pouco, e eu podia sentir algo sólido sob os pés. Fui con­vidado a abrir os olhos. Assim o fiz. Descortinei então o velho lar em que vivi na terra; o meu velho lar... mas com uma diferença: fora melhorado de uma forma que ninguém teria podido fazer em sua reprodução terrestre. Como logo me pareceu, a casa estava antes rejuvenescida, do que res-taurada, mas foram os jardins à sua volta que mais me atraíram a atenção.
Esses jardins davam-me a impressão de ser bastante ex­tensos e estavam em perfeita ordem e disposição. Dizendo isso não quero dar a entender que eram iguais, quanto à regularidade, aos jardins do plano terreno, mas eram mara­vilhosamente cultivados e conservados. Não havia cresci­mentos desordenados, nem folhagem e ervas daninhas emara­nhadas; pelo contrário, era a mais bela profusão de flores dispostas de maneira a mostrar uma perfeição absoluta. Ao examiná-las mais de perto, devo dizer que jamais vi outras semelhantes ou uma réplica na terra, das muitas que lá existem e em plena florescência. Muitas por certo poderiam ser perfeitamente iguais às terrenas, mas na maior parte dos casos, pareceu-me o contrário. Não eram, entretanto, as flores em si e a inacreditável sucessão de suas cores magnificentes, que mais me chamaram a atenção, mas sim, a atmosfera vital de eternidade que elas exalavam por todas as direções. Quem quer que se aproximasse de qualquer grupo daquelas flores, ou mesmo de uma que fosse, sentia fortes correntes de força energética, as quais elevavam espiritualmente a alma e lhe davam maior estímulo, ao mesmo tempo que os per­fumes celestiais emanados eram de tal magnitude que ne­nhuma alma quando materializada jamais os havia sentido. Tratava-se de flores que viviam e respiravam, e eram incor­ruptíveis, segundo o meu amigo.
Outra característica que notei quando me aproximei delas, era os sons musicais que as envolviam, e cuja suave harmonia combinava perfeitamente com as cores deslumbrantes. Não sou suficientemente versado em música para discorrer, tecni­camente, sobre tão belo fenômeno, mas espero em ocasião oportuna trazer alguém com conhecimentos da matéria a fim de explicá-lo. Por ora, é bastante dizer que esses sons mu­sicais das flores estavam em precisa consonância com tudo que eu já havia visto, — o que, entretanto, era ainda muito pouco — e que, em toda parte, eu via a harmonia perfeita.
Se já estava ciente do efeito revitalizador dos jardins celestiais, crescia porém a minha ansiedade de conhecer mais ainda acerca de tudo aquilo.  Assim, em companhia do meu velho amigo, a quem fora confiado para ser informado e guiado, caminhei pelas veredas do jardim, pisei na estranha relva, flexível e macia, como se andasse no ar, e tentei com­preender que toda aquela extraordinária beleza fazia parte do meu próprio lar.   Soberbas árvores podiam ser divisadas, mas sem as deformações das que existem na terra, e não havia uniformidade nas espécies.   Simplesmente cresciam sob con­dições perfeitas, livres dos ventos tempestuosos que curvam e torcem os ramos mais tenros; livres dos ataques de insetos e de outras causas que as afligem no plano terreno.  Do mesmo modo que as flores, assim eram as árvores.   Eram eternas, incorruptíveis, cobertas de folhas, numa grande pro-fusão de matizes verdes, eternamente emanando vida para todos os que se aproximassem delas.

sol brilhante; havia sim, uma luz cintilante que penetrava por tudo, nunca, porém, em plano horizontal. O meu amigo informou-me que toda a luminosidade provinha do Doador de toda luz, e que esta era essencialmente divina, banhando e iluminando todo o mundo do espírito, onde viviam aqueles que espiritualmente possuíam olhos para vê-la.
Havia uma tépida e agradável temperatura sempre cons­tante O ar permanecia na sua imobilidade, mas sentia-se uma aragem de suave perfume — autêntico zéfiro — que não alterava a fragrância da tepidez envolvente. Àqueles que não apreciam perfumes de qualquer natureza posso dizer: não vos desaponteis ao lerdes estas palavras, pois coisas de que não gostais não vos acontecerão aqui. De qualquer modo, esperai, advirto-vos, e ireis sentir quão diferente do que possais imaginar são estas coisas.
Venho revelando esses fatos com o máximo de pormenores, porque estou certo de que inúmeras pessoas muito têm inda­gado a respeito.
Fiquei surpreso por não ver muros, sebes ou cercas; nada do que até então pude observar delimitava o meu próprio jardim. Fui informado de que não havia necessidade de separações, porque cada um sabia, instintivamente, mas com absoluta certeza, onde sua propriedade terminava. Não havia, portanto, intromissão de ninguém num jardim, embora todos estivessem abertos a quem quer que desejasse atravessá-los ou neles demorar-se. Eu seria sinceramente bem recebido em qualquer lugar que fosse, sem receio de estar me introme­tendo na intimidade dos outros. Disseram-me ser essa a regra aqui, e que eu não teria sentimentos diferentes com respeito àqueles que passassem pelo meu jardim. Sim, meus sentimentos naquele momento foram justamente esses, pois desejei que todos viessem gozar de sua beleza. Eu não possuía quaisquer noções de propriedade pessoal, não obstante saber que o jardim era meu para tê-lo e mantê-lo. Era essa precisa­mente a atitude de todos — propriedade e sociedade a um só tempo.
Apreciando o belo estado de conservação dos jardins e o cuidado que recebiam, indaguei de meu guia quem assídua-mente e com tão esplêndidos resultados assim os mantinha. Antes de me responder, sugeriu que, como tinha eu chegado recentemente às regiões espirituais, era aconselhável descansar primeiro ou pelo menos não me fatigar muito com observações. Propôs, assim, que deveríamos procurar um lugar aprazível — usou as palavras num sentido apenas comparativo, porque tudo era aprazível em qualquer parte — onde nos sentaríamos, quando então êle passaria a expor alguns dos muitos pro­blemas que se haviam apresentado no curto espaço de tempo da minha nova condição.
Andamos, pois, até encontrar o aprazível lugar sob os ramos de magnífica árvore, de onde podíamos dominar grande parte da campina, cuja exuberante verdura ondulava ante os nossos olhos, estendendo-se ao longe. A paisagem era ba­nhada por um belíssimo resplendor celestial, e eu podia notar inúmeras casas de vários tipos, pitorescamente localizadas, como a minha, entre árvores e jardins. Acomodamo-nos na relva macia, e eu me estirei, como se deitasse num finíssimo leito. Meu guia perguntou-me se estava cansado. Eu não tinha a sensação comum do cansaço terreno, mas sentia ain­da algo como a necessidade de repouso do corpo. Disse-me que essa necessidade era proveniente da minha última doen­ça, e que, se quisesse, podia passar por um profundo sono. Naquele momento, entretanto, não achei necessário dormir, e respondi-lhe preferir que conversássemos.
O meu amigo começou dizendo:
— "Tudo quanto o homem semear, colherá". Essas poucas palavras descrevem exatamente o grande processo eterno pelo qual tudo que aqui vês é a conseqüência de algo. Flores, árvores, florestas, as casas, que são também lares felizes de gente feliz — tudo é o visível resultado da máxima: "Tudo quanto o homem semear, colherá". Esta terra em que estamos

agora vivendo é a grande colheita, as sementes do que plan­tamos na esfera terrena. Todos os que aqui vivem ganharam por si próprios esse direito através de suas ações na terra.
Eu começava a perceber muitas coisas, principalmente aquilo que mais de perto me preocupava, ou seja, a atitude inteiramente errada da Religião sobre o mundo do espírito. O fato de que ali estava deitado constituía a mais completa refutação de tudo quanto eu havia ensinado e sustentado durante o meu ministério sacerdotal. Via se desfazerem inúmeros volumes de ensinamentos ortodoxos, credos e dou­trinas, porque nada significavam, porque não diziam a ver­dade e porque não se relacionavam com o que quer que fosse do eterno mundo espiritual do Grande Criador e Man­tenedor de tudo. Podia ver agora com clareza o que antes vislumbrara indistintamente, isto é, que a ortodoxia é uma criação do homem e que o Universo é uma dávida de Deus.
Meu guia informou-me que de onde estávamos eu po­deria ver toda espécie de gente em condições diversas, vi­vendo em seus lares; pessoas cujos pontos de vista religiosos quando na terra também eram os mais diversos. Disse ainda que uma das grandes características do mundo do espírito era as almas serem exatamente as mesmas de momentos antes da passagem para o mundo espiritual. O arrependimento à hora da morte em nada as beneficiava, visto que em sua mor parte tais arrependimentos eram devidos à covardia e ao medo daquilo que estaria por acontecer, o medo do in­ferno eterno criado pela Teologia — vantajosa arma do arsenal eclesiástico e uma das que mais sofrimentos têm causado, entre outras muitas falsas doutrinas. Os credos, portanto, não formam qualquer parte do mundo espiritual, mas como as pessoas trazem para êle todas as suas próprias características, cada crente continua a praticar a sua religião até o instante em que sua mente se torne espiritualmente esclarecida. Temos aqui — informou-me, e já então eu tinha visto por mim mesmo — comunidades inteiras ainda praticando suas antigas religiões terrenas, com o fanatismo e os preconceitos de seus princípios, não obstante apenas no aspecto religioso.  A nin-

guém prejudicam a não ser a si mesmas, pois confinam-se em suas próprias crenças. Não há contudo qualquer ação no sentido de conversão religiosa.
Sendo assim, supus então que a minha velha religião aqui também estaria representada. Estava. Os mesmos rituais, cerimônias, velhas crenças, eram conduzidos com idêntico, porém mal-orientado fervor em seus mesmos templos. Os membros dessas comunidades sabiam que tinham morrido mas julgavam que parte de sua recompensa celestial seria a continuação das formas terrenas de culto religioso. Assim prosseguirão até o instante em que despertem espiritual­mente. Jamais se exerce pressão sobre essas almas; sua ressur­reição mental deve partir delas próprias. Quando isto ocorre, experimentam pela primeira vez o real sentido da liber­dade.
Meu guia prometeu-me que, se eu quisesse, poderíamos visitar mais tarde alguns desses agrupamentos religiosos, mas expúnhamos de muito tempo, e aconselhou-me antes de mais nada que me habituasse primeiro com a nova vida.   Até aqui continuava no ar a pergunta que eu lhe fizera sobre a alma que tão bondosa e esplendidamente havia zelado por meu jardim, mas êle já tinha lido meu pensamento e voltou ao assunto.   Tanto a casa como o jardim, disse-me, eram a messe de meus esforços terrenos.   Tendo merecido o direito de possuí-los, eu mesmo os havia construído com o auxílio de generosas almas que se dedicam, em sua vida no mundo do espírito, a praticar atos de bondade em favor de seus seme­lhantes.   Eram seu trabalho e prazer a um só tempo. Freqüentemente, essas tarefas eram empreendidas e levadas a efeito por aqueles que quando na terra foram especialistas no ofício e que o exerciam com satisfação.   Aqui podiam continuar seus ofícios terrenos sob condições que apenas o mundo do espírito estaria apto a proporcionar.   Tais tra­balhos lhes traziam a própria recompensa espiritual, e nenhum pensamento de retribuição lhes vinha à mente.  O desejo de servir aos outros é que os preocupava.

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Aquele que me navia auxiliado a compor tão belo jardim era um amante da jardinagem quando na terra, e, como eu mesmo podia ver, era um verdadeiro artista em seu ofício. Mas, desde que o jardim fora criado, já não era necessária a incessante luta para sua conservação, como ocorre na terra. São a constante decomposição, as tempestades, os ventos e outras causas diversas que exigem solícitas atenções aos jardins terrestres.   Aqui não há decomposição, e tudo que cresce assim vive, da mesma forma como nós existimos.   Fui infor­mado de que o jardim não necessitaria de nenhum cuidado, na forma usualmente entendida por nós, e que o nosso amigo jardineiro se encarregaria dele, se eu quisesse. Longe de mim desejar apenas: externei viva esperança de que êle tomasse efetivamente a seu cargo a tarefa.  Disse de minha profunda gratidão pelo seu esplêndido serviço e que esperava poder encontrá-lo para expressar-lhe pessoalmente os meus mais sinceros agradecimentos.   Meu guia esclareceu-me que isto seria muito simples e que se ainda não me encontrara com êle, era porque eu havia chegado há pouco, e êle não desejava apresentar-se até que me instalasse em meu lar.
Minha mente voltou-se de novo à ocupação que exerci na terra, isto é, a orientação diária dos serviços religiosos e outros deveres de sacerdote. Desde que tal ocupação, pelo menos no meu caso particular, já não era mais necessária, fiquei intrigado para saber o que o futuro me reservava. Meu amigo lembrou-me de novo que muito tempo havia ainda para ponderar no assunto, e sugeriu que eu devia descansar para depois acompanhá-lo em algumas viagens de observação. Muito havia para ver, coisas que iriam me deixar atônito. Havia também numerosos amigos que me aguardavam para um novo encontro após tão longa separação. Conteve êle a minha impaciência por iniciar logo as visitas, dizendo que eu deveria descansar primeiro e que nada melhor para isso do que a minha própria casa. Segui-lhe o conselho e para lá nos dirigimos.

Já esclareci que ao penetrar pela primeira vez em meu lar observei ser êle semelhante ao que eu possuía na terra, mas com algumas diferenças. Logo que entrei, percebi imedia­tamente as diversas alterações que haviam sido introduzidas Eram principalmente relativas à estrutura, modificações essas que eu teria gostado de fazer mas que por motivos vários, inclusive de base estrutural, jamais pude levar a efeito. Não existem aqui as dificuldades terrenas, e, por conseguinte, encontrei neste meu lar espiritual, e numa disposição familiar, tudo aquilo que desejei na vida anterior. Os requisitos considerados indispensáveis a uma casa terrena eram, aqui, naturalmente, supérfluos; assim é o caso das provisões de alimentos, para citar apenas um exemplo: muitos outros po­dem ser facilmente imaginados.
Enquanto atravessávamos as várias dependências, eu ia observando as inúmeras provas de consideração e bondade daqueles que tão ativamente haviam trabalhado para auxi­liar-me na reconstrução do velho lar, na nova condição. De pé no seu interior, fiquei completamente ciente de sua perma­nência em comparação com aquele outro que eu deixara para trás. Mas era uma permanência que eu sabia poder terminar no momento em que eu quisesse. Tratava-se tão-só de uma casa; era um porto espiritual, um remanso de paz, onde não existiam as habituais preocupações e responsabilidades domés­ticas. O mobiliário era em grande parte semelhante ao que adquirira para o seu similar na terra, não porque fosse parti­cularmente belo, mas porque eu o achara prático e con­fortável, além de adequado às minhas poucas exigências. A maioria dos pequenos objetos de adorno estava em seus costu­meiros lugares, e no todo a casa possuía aquele ar evidente de ser habitada. Na verdade, eu me sentia em casa. Na sala que anteriormente havia sido meu escritório, notei amplas estantes. A princípio, surpreendi-me com o fato, mas refle­tindo melhor, não encontrei motivos para que, desde que tal casa existia, não existissem também livros em seu in­

terior.   Estava interessado em conhecer a natureza de tais livros e iniciei assim um exame minucioso.   Entre eles, bem à vista, descobri algumas das minhas próprias obras.   Ao deparar com elas, tive uma idéia nítida da verdadeira razão pela qual lá se achavam. Muitas continham as narrativas a que me referi anteriormente, ou seja, o relato das minhas expe­riências psíquicas, às quais procurei dar um sentido religioso. Um livro em especial parecia destacar-se em minha mente, e logo me certifiquei de que nunca deveria tê-lo escrito.   Era uma narrativa deturpada em que os fatos, tais como os tinha visto na realidade, recebiam um tratamento injusto e men­tiroso.   Senti profundo remorso, e pela primeira vez desde que chegara a este mundo, tinha motivos para me lamentar. Não que me arrependesse de ter vindo, mas lamentava que, vendo a verdade diante de meus olhos, eu a tivesse delibe-radamente evitado, para em seu lugar divulgar interpretações falsas. E eu sabia que, enquanto meu nome existisse, ou por outra, enquanto tivesse valor comercial, aquele livro continua­ria a ser reproduzido, lido e considerado como verdadeiro. Vi­nha-me a sensação desagradável de que jamais poderia destruir o que fizera.
Não havia qualquer censura a meu ato. Pelo contrário, eu podia sentir uma nítida atmosfera de profunda simpatia. De onde provinha, não o sabia; entretanto, era real, autêntica. Voltei-me para o amigo que durante a minha inspeção e descoberta havia se mantido discreta e compreensivamente à parte, e pedi-lhe auxílio. Recebi-o imediatamente. Expli­cou-me que sabia perfeitamente o que eu estava enfrentando em relação àquela obra, mas que lhe era vedado referir-se a ela antes que eu o descobrisse por mim mesmo. Uma vez que isso acontecera, e em vista do meu pedido, podia êle agora ajudar-me.
Minha primeira pergunta foi sobre como poderia sanar o erro. Disse-me que de várias maneiras, umas talvez mais difíceis, porém, mais eficazes do que outras. Sugeri que eu poderia voltar ao plano terrestre e lá difundir a verdade sobre esta nova vida e sobre a comunicação entre os dois mundos. Inúmeros o haviam tentado — respondeu-me — e ainda tentavam, mas quantos eram acreditados? Julgaria eu ser melhor sucedido? Com toda a certeza os meus leitores jamais receberiam ou dariam crédito a qualquer comunicação minha. E não percebia eu, também, que se me apresentasse a eles, imediatamente me iriam tomar pelo demônio?
— Permite-me — continuou — falar a respeito da comu­nicação com o mundo terrestre. Que é possível, bem sabes que sim, mas tens alguma noção sobre as dificuldades dessa tarefa? Vamos supor que descubras os meios de comunicar-te. O primeiro obstáculo a enfrentar seria a tua própria identifi­cação. É bem provável que, ao dizeres quem és, eles hesi­tem em aceitar o teu nome, simplesmente por ter sido êle tão notável enquanto eras vivo. Por mais importantes que se­jamos, ao passarmos para o plano espiritual somos referidos na terra apenas no tempo passado. Os livros que pudemos legar são considerados mais importantes do que o próprio autor, visto que para o mundo estamos mortos, nossa voz humana deixou de existir. E apesar de estarmos bem vivos, — tanto para nós como para os outros aqui — entre os mortais nada mais somos que lembranças, às vezes permanentes, às vezes recordações que se desvanecem rápidas, deixando meros nomes em sua esteira. Sabemos, todavia, que estamos muito mais vivos do que antes, se bem que a maioria na terra con­sidere que não podíamos estar mais mortos.
Poderás então fornecer certo número de informações, e isso é justo, contanto que não te excedas, como inúmeras vezes tem ocorrido. Satisfeitas estas exigências, que virá depois? Desejarás explicar que estás vivo e são. Se as pessoas com as quais estiveres em contato não forem meros amadores, nenhuma dúvida pairará sobre tuas declarações. Mas se quiseres anunciar tais novidades ao mundo em geral, por intermédio dos meios usuais, vão acreditar na tua identidade só aqueles que já conhecem e praticam a comunicação com o mundo do espírito. Quanto aos demais, quem acreditará em tua palavra? Ninguém, certamente, e muito menos os teus antigos leitores.   Dirão que não és tu e sim um de­

mônio. Outros, provavelmente, nem tomarão conhecimento de ti. Um certo número de pessoas, sem dúvida, iria imaginar que, por teres passado ao mundo do espírito, já terias adqui­rido a mais profunda sabedoria, e que tuas palavras constitui­riam declarações infalíveis. Estás vendo, assim, algumas das dificuldades que terás de enfrentar na divulgação da Verdade entre aqueles que ainda vagam nas sombras do mundo terreno.
As previsões de meu amigo desalentaram-me sobrema­neira; avaliei os inúmeros obstáculos, e fiquei convencido de que devia abandonar o projeto por algum tempo. Con­sultaríamos outros mais sábios do que nós, e talvez me ocorresse alguma solução. Com o passar do tempo, — falando em sentido terreno — eu poderia também mudar esses planos. Não devia, pois, afligir-me. Ainda muito havia para ver e fazer, e muita experiência para ser adquirida — o que seria valioso para mim, se resolvesse levar avante os meus projetos. Meu guia aconselhou-me a descansar, que êle ia retirar-se. Quando me sentisse inteiramente repousado, bastava dirigir--lhe os meus pensamentos e êle voltaria imediatamente. Dei­xei-me, pois, ficar numa confortável poltrona e entrei em agradável estado de sonolência; embora inteiramente cons­ciente do que me rodeava, sentia-me invadido por novas energias, que fortaleciam todo o meu corpo. Era como se me tornasse cada vez mais leve, dissipando-se para sempre os últimos restos de minha condição terrena. Por quanto tempo permaneci nesse estado não posso avaliar, mas pouco a pouco um suave torpor invadiu-me, e quando despertei foi com aquela disposição de saúde que na terra chamamos de hi-gidez. Lembrei-me a seguir das palavras do guia e dirigi-lhe meu pensamento. Em poucos segundos (do tempo terrestre), entrava êle pela porta. Esse movimento instantâneo sur­preendeu-me bastante, o que o fez rir. Explicou-me que na verdade tudo era muito simples. O mundo espritual é um mundo de pensamentos: pensar é agir, e o pensamento é Instantâneo. Se nos imaginarmos num determinado lugar, para lá viajaremos com a velocidade desse pensamento.   Eu logo

veria ser esse o meio usual de locomação e breve seria capaz de utilizá-lo.
Meu guia logo notou a mudança operada em mim e congratulou-se comigo porque me refizera. Seria impossível explicar tão magnífica sensação de completo bem-estar e vita­lidade. Quando vivemos no plano terrestre estamos sempre, e por diversas maneiras, sentindo o nosso corpo físico: pelo calor ou pelo frio, pelo desconforto, fadiga, pelas mínimas doenças e por inúmeros outros fatores adversos. Aqui não há tais inconvenientes. Por outro lado, não quero dizer que somos insensíveis, imunes a influências externas; nossas per­cepções são de ordem mental e o nosso corpo espiritual é impenetrável a tudo quanto seja destrutivo. Sentimos através da mente e não de qualquer órgão físico dos sentidos; nossas reações estão diretamente ligadas aos pensamentos. Se sen­timos frio, em qualquer circunstância especial e definida, tal sensação nos vem pela mente, nada sofrendo o corpo espiritual. Nesta esfera de existência tudo se harmoniza com os habi­tantes: a temperatura, a paisagem, as moradias, as águas dos rios e das fontes, e, o que é mais importante, os próprios habitantes. Não há, portanto, nada que possa provocar adver-sidades, desprazer ou desconforto. Podemos nos esquecer completamente do corpo e permitir que nossas mentes sejam absolutamente livres, e através delas usufruir as belezas que elas mesmas ajudaram a construir. E muitas vezes podemos nos sentir tristes, — muitas vezes nos divertimos — com aqueles que, ainda na terra, lançam o ridículo e o desprezo sobre nossas informações. Que sabem eles, pobres diabos? Nada! E que podem oferecer em substituição às realidades do mundo do espírito? Nada, pois nada sabem. Gostariam de nos privar de nossos belos campos, flores e árvores, dos nossos rios e lagos, nossas casas, nossos amigos, trabalhos, prazeres e diversões. Para quê? Qual a concepção que podem ter essas acanhadas mentalidades de um mundo espiritual? Pelas suas afirmações absurdas, nenhuma. Transformar-nos em fantasmas, é o que desejariam, fantasmas sem substância nem inteligência, meramente subsistindo num vago, sombrio e nebuloso estado, apartados de tudo quanto é humano. Aqui, em minha perfeita saúde, cheio de vitalidade, e vivendo entre as maravilhas de um mundo verdadeiramente real, do qual quero dar-lhes apenas uma vaga idéia, sinto-me fortemente impressionado pela imensa ignorância demonstrada por certas mentes terrenas, a este respeito.
Chegara o momento, acreditei, em que deveria conhecer algo desse esplêndido plano de existência, e assim, acom­panhado de meu guia, partimos para aquilo que, no meu entender, seria uma viagem de descobrimentos. Aqueles que já percorreram o mundo à procura de novas paisagens, compreenderão como eu me sentia ao partir.
Para conseguir uma visão mais ampla, encaminhamo-nos a uma região elevada, de onde um límpido panorama se des­cortinou ao meus olhos. À nossa frente estendia-se um campo interminável. Noutra direção via-se o que parecia ser uma cidade de imponentes edifícios. Deve-se ter presente que aqui nem todos têm as mesmas predileções; acontece como na terra, em que muitos preferem a cidade ao campo e vice-versa, e outros apreciam a ambos. Eu estava vivamente interessado em saber como seria uma cidade espiritual. Fácil era imaginar o campo, mas a cidade sempre me pareceu essencialmente obra terrena. Por outro lado, não me ocorria uma objeção lógica a que o mundo espiritual não pudesse também construir cidades. Meu companheiro divertia-se muito com o meu entusiasmo, na sua opinião igual ao de um colegial. Não era a primeira vez, entretanto, que encon­trava tal entusiasmo. A maioria das pessoas, ao chegar, é tomada de idênticas emoções, o que proporciona aos nossos amigos um especial prazer em nos acompanhar.
Via-se à distância uma igreja aparentemente construída nas linhas usuais; decidimos seguir naquela direção, obser­vando outras coisas de passagem. Fomos por um caminho que acompanhava em certos pontos um riacho, cuja água cristalina brilhava à luz do sol celestial. Ao correr, a água emitia notas musicais, combinando-as numa rapsódia das mais suaves sonoridades. Aproximamo-nos da margem para que eu o pudesse observar mais de perto. Assemelhava-se a um cristal líquido e, ao ser tocado pela luz, cintilava com todas as cores do arco-íris. Mergulhei um pouco a minha mão na água, certo de que, como parecia, ela seria gelada. Qual não foi a minha surpresa ao senti-la deliciosamente tépida. Além disso, produzia um efeito eletrizante, que se propagava da mão por todo o braço. A sensação era estimulante, e eu pude imaginar como seria se me banhasse inteiramente nela. Meu amigo disse que me sentiria revi­gorado, mas não havia suficiente profundidade para uma imersão total. Não me faltaria oportunidade, quando chegás­semos a um curso maior. Ao retirar a mão, verifiquei que a água escorria em brilhantes gotas, deixando-a completa­mente seca.
Retomamos a viagem e meu guia disse que gostaria de me levar a visitar o proprietário de uma casa, da qual nos aproximávamos. Caminhamos por um artístico jardim de gramados esmeradamente cuidados e chegamos até um homem sentado nas proximidades de um pomar. À nossa chegada ergueu-se e recebeu meu amigo da maneira mais cordial; fui então apresentado como um recém-chegado. Soube que este senhor se orgulhava das frutas de seu pomar; a seguir, convidou-me a prová-las. Parecia êle um homem de meia-idade, embora pudesse ser na realidade mais velho do que aparentava à primeira vista. Aprendi então que tentar predizer as idades das pessoas deste mundo seria tarefa difícil e até mesmo perigosa. É necessário saber — e permitam-me divagar um pouco — que a lei aqui é no sentido de que, à medida que progredimos espiritualmente, vamos nos desfazendo daquela aparência idosa conhecida na terra. Perdemos as rugas que o tempo e as preocupações imprimem nos nossos semblantes, assim como outras indi­cações do avanço da idade, e tornamo-nos mais jovens à medida que adquirimos mais experiência em sabedoria, conhecimento e espiritualidade. Mas não direi que possamos assumir um aspecto de completa juventude, nem perder as características externas da personalidade. Isto seria nos trans­formar num todo uniforme. O certo é que retrocedemos ou adiantamo-nos — de acordo com a nossa idade quando passamos a espíritos — em relação àquilo que em geral se conhece como a flor da idade.
Para resumir: nosso anfitrião introduziu-nos no pomar, onde vi inúmeras árvores muito bem cultivadas e carregadas de frutas.   Olhou-me por um instante e conduziu-nos então a uma esplêndida árvore que se parecia bastante com uma ameixeira.   As frutas eram perfeitas na forma, ricas em cor e pendiam em grandes cachos. Colheu algumas e ofereceu-nas, assegurando que nos fariam bem.   Eram frescas ao tato e notavelmente pecadas para o seu tamanho; o sabor, delicioso, a polpa, macia, sem ser difícil nem desagradável de tocar, e uma quantidade de suco semelhante ao néctar, escorria delas.    Meus dois amigos observavam-me atentamente en­quanto eu comia umas ameixas, ambos revelando uma ex­pressão de jovial expectativa.   Sendo abundante o suco, eu temia que escorresse sobre a minha roupa. Escorria sim, mas não a manchava, o que me maravilhou, provocando o riso de meus amigos.   Apressaram-se então a explicar que, estando eu num mundo incorruptível, tudo quanto não se aproveita é imediatamente devolvido ao elemento de origem.   O suco das frutas que eu julgara escorrer sobre mim voltara à árvore de onde proviera.   Nosso anfitrião informou-me que o tipo especial de ameixa que eu acabara de comer era recomendado aos recém-chegados; facilitava a restauração do espírito, espe­cialmente se o passamento se dera por moléstia.   Observou, entretanto, que eu não parecia ter sofrido uma longa doença, e que, possivelmente, o meu falecimento deveria ter sido algo repentino, o que era a verdade.  Eu estivera realmente muito pouco tempo doente.
As frutas daquele pomar não eram apenas para os que necessitassem de algum tratamento após a morte física, mas estavam à disposição de quem quer que os desejasse comer pelo seu efeito estimulante. Disse-me que se eu não possuísse

35 árvores frutíferas, ou mesmo que as tivesse, poderia servir-me das suas, a qualquer hora.
— As frutas estão sempre no tempo — acrescentou — e jamais encontrarás uma árvore sequer sem elas.
Respondendo à minha pergunta sobre como eram culti­vadas, declarou que, assim como a inúmeras outras perguntas nestas paragens, a resposta só poderia vir dos planos mais elevados e que, mesmo que a obtivéssemos, havia grande probabilidade de só a entendermos quando vivêssemos tam­bém naqueles planos.
— Aceitamos as coisas como são e como surgem — disse êle, — sem nada indagar, pois formam elas um interminável estoque provindo de uma interminável Fonte. Não há real­mente necessidade de aprofundar tais assuntos, e a maioria aqui se satisfaz em usufruir de tudo com os corações gratos.
Quanto às frutas, o nosso anfitrião acrescentou que tudo quanto sabia era que, tão logo eram colhidas, outras vinham substituí-las. Nunca amadureciam demais, por serem perfeitas, e, como nós, imperecíveis. Convidou-nos a caminhar através do pomar onde vimos uma grande variedade de frutas, na maioria espécies conhecidas pelo homem, e muitas tam­bém apenas imaginadas, por intermédio de informações espi­rituais. Experimentei algumas de espécies desconhecidas; seria impossível descrever seu delicioso sabor, não há fruta terrestre que possa servir de base para uma comparação. Somente podemos dar indicações aos sentidos pela comparação com algo já experimentado. Se não tivermos tido essa expe­riência ficamos completamente impossibilitados de transmitir qualquer sensação nova; e em nenhum campo esse fato pode ser melhor observado que no do paladar.
Meu amigo explicou ao nosso cordial anfitrião que êle estava me mostrando a terra em que deveria viver desde então, ao que êle renovou o convite para visitá-lo sempre que o desejasse, e que não era preciso a sua presença para que eu me servisse do pomar. Após os agradecimentos, conti­nuamos a nossa jornada.

Voltamos ao caminho ao lado do ribeirão, prosseguindo em direção da igreja. Notei então que aquele pequeno curso de água ia se alargando, até adquirir as dimensões de-um lago de proporções regulares. Viam-se grupos de pessoas às margens e algumas se banhando. O lago era cercado por árvores, e havia muitas flores, de tal modo dispostas vque, embora obedecessem a certa ordem, não davam contudo ne­nhuma idéia de propriedade. Pertenciam a todos com direitos iguais. Ninguém as maltratava. Algumas pessoas podiam ser vistas com ambas as mãos em torno de algumas flores, em atitude acariciante; maneiras assim extraordinárias despertaram a minha curiosidade, e pedi a meu guia uma explicação. Sua resposta foi levar-me para perto de uma jovem, naquela atitude estranha. Senti-me embaraçado pela intromissão, porém me disseram: — "espera e vê". Meu amigo curvou-se ao lado dela e foi recebido com um sorriso e palavras de boas-vindas. Concluí que eram velhos amigos, no que me enganara. Real­mente, como depois me disseram, nunca se haviam visto antes; simplesmente aqui não necessitamos de apresentações for­mais; constituímos uma grande e unida família. Depois de nos acostumarmos com o novo ambiente e sistema de vida, verificamos que nunca seremos intrometidos se pudermos ler com rapidez o pensamento de uma pessoa que deseje um período de isolamento. E ao vermos gente ao ar livre podemos nos considerar bem-vindos caso nos aproximemos para conversar.
Aquela jovem era, como eu, uma recém-chegada e contou--nos como alguns amigos lhe ensinaram a extrair das flores tudo quanto elas profusamente oferecem. Curvei-me ao lado dela, que me fêz uma demonstração prática. Colo­cando as mãos em volta da flor como a formar uma taça, eu poderia sentir uma força magnética subir-me pelos braços. Ao dirigir as mãos para uma bela flor, percebi que ela se curvava no caule para mim! Fiz como me ensinara, e incon-tinenti senti uma corrente de vitalidade percorrer-me os braços, enquanto um delicioso perfume se exalava da flor. Advertiu-me a não colher as flores, pois elas eram eternas, faziam parte desta vida, como nós mesmos.   Fiquei-lhe grato pelo aviso,

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visto que seria a mais natural das ações apanhar flores que se viam em tamanha profusão. Não acontecia o mesmo com os frutos, que se destinavam a ser consumidos. As flores eram decorativas, e colhê-las seria como cortar as árvores frutíferas. Entretanto, outras flores existiam para serem co­lhidas. As que estava vendo agora serviam apenas para oferecer e renovar a vitalidade.
Indaguei de minha amiga se acaso já experimentara as maravilhosas frutas, ao que me respondeu afirmativamente.
O guia sugeriu que nos aproximássemos da água e que se a jovem estivesse só, e quisesse nos acompanhar, seria motivo de prazer. Ela assentiu ao convite, e, assim, nós três nos aproximamos do lago. Expliquei-lhe que meu amigo era um habitante já afeito a estas paragens e que me servia de guia e conselheiro. Ela parecia rejubilar-se pela nossa companhia, não que estivesse solitária, pois solidão é coisa inexistente nesta região, mas por ter tido raros amigos en­quanto viva, embora nunca tivesse sido indiferente às penas, preocupações e dores dos outros. Desde que se tornara espírito, havia encontrado tantas almas bondosas de dispo­sição semelhante à sua, que logo acreditara fôssemos também. Forneci-lhe alguns pormenores a meu respeito e como esti­vesse ainda usando minha vestimenta terrena — ou melhor, a sua equivalente — foi-lhe possível identificar-me com o que eu havia sido profissionalmente. E como o meu amigo tam­bém se vestisse da mesma maneira, ela declarou, rindo, que se sentia a salvo em nossas mãos!
Lembrei-me do que se dissera antes acerca dos banhos, mas receei especificar o equipamento necessário para to­má-los. Meu amigo, porém, tirou-me dessa situação de­veras embaraçosa, referindo-se, êle mesmo, ao assunto.
Tudo o que era necessário para gozar as delícias de um banho era a água, só isso! Nada mais simples: entrar na água exatamente como estávamos. Nadássemos ou não, isso pouco importava. Devo confessar que fiquei estupefato com aquilo e, naturalmente, hesitei um pouco. Entretanto, meu amigo entrou calmamente no lago, ficando totalmente sub-

merso. Seu gesto nos encorajou e, seguindo o seu exemplo, nós também nos atiramos na água.
O que eu esperava de tudo isso, não me lembro. Pelo menos antecipava o efeito habitual da água em idênticas circunstâncias na terra.
Foi, pois, muito grande a minha surpresa e, ao mesmo tempo, o meu alívio, quando verifiquei que a água, mais do que um líquido penetrante, era como que um manto morno me envolvendo. A ação magnética da água era semelhante à do riacho em que molhara as mãos. Porém, aqui a força revigorante envolvia o corpo, insuflando-lhe nova vida. Era a água deliciosamente quente, sendo possível ficar de pé, flutuar ou afundar completamente, isto é, abaixo da super­fície, sem que isso representasse qualquer perigo ou incô­modo. Se eu tivesse refletido, teria logo verificado que isso era inevitável. O espírito é indestrutível. Mas, além dessa influência, magnética, havia, proveniente da água, uma con­fiança dupla, como que uma sensação afetiva, se assim se pode dizer. Não é fácil dar uma idéia precisa desta expe­riência, fundamentalmente espiritual. Que a água era viva, não se podia duvidar. Irradiava sua bondade pelo contato e estendia sua celestial influência a todos os que a usavam. De minha parte, confesso que experimentei uma exaltação espiritual, uma regeneração vital, a tal ponto, que esqueci minha hesitação inicial e o fato de estar inteiramente vestido!
Minha mente estava livre de perturbação ao lembrar-me de que, ao retirar a mão do riacho, a água escorrera, dei­xando-a completamente seca. Estava, portanto, preparado para o que se seguiu quando saímos do lago. Ao emergirmos, a água escorria, deixando minhas roupas como se encon­travam antes. A água havia penetrado o tecido como o ar ou a atmosfera o fazem, porém sem deixar qualquer sinal visível.
Mais uma observação a respeito da água: era límpida como o cristal, e a luz, em cores quase ofuscantes, se refletia em suas ondas.   Era excepcionalmente suave ao tato, e sua

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leveza tinha a mesma qualidade da atmosfera, isto é, supor­tava tudo o que nela ou sobre ela se colocasse. Assim como é impossível aqui cair por acidente, o que pode acontecer na terra, também o é afundar na água. Todos os nossos movi­mentos refletem diretamente as nossas mentes, e, assim, não podemos nos machucar ou sofrer acidentes. Receio que não consiga descrever alguns destes fenômenos sem ir além do alcance de mentalidades e experiências terrenas. Somente as testemunhas oculares podem ter uma idéia precisa das maravilhas destas paragens.
Após curta caminhada, chegamos à igreja que eu avis­tara à distância e que alimentava o desejo de visitar. Tra­tava-se de um templo de construção gótica, de tamanho médio, semelhante às igrejas paroquiais da terra. Estava situado em agradável recanto, que se nos afigurava mais espaçoso em virtude de não existirem grades ou muros demar-cadores dos seus limites eclesiásticos. O revestimento de pedra com que o templo foi construído tinha a frescura própria dos prédios novos; mas, na verdade, êle existia há muitos anos terrenos. Sua limpeza exterior estava de acordo com todas as coisas daqui: não há decadência. Não existe também aquele ar enfumaçado que dá ao excursionista uma impressão desoladora. Não havia, é claro, um cemitério anexo. Apesar de muita gente praticar ardorosamente suas religiões predi­letas da terra, é evidente que, ao se erigir um templo aqui, é desnecessário e inútil construir também um cemitério.
À entrada havia o usual quadro para afixação de avisos, mas onde se mencionava apenas a natureza dos serviços da Igreja Estabelecida. Não figurava ali o horário dos cultos, e pus-me a refletir como uma organização desta espécie po­deria reunir-se se o tempo, como é conhecido no mundo, não tem existência. Aqui não há noite e dia, alternadamente, pelos quais o tempo possa ser medido. É dia perpétuo. O grande sol celestial brilha eternamente, como já disse. Não temos também as muitas outras indicações do passar do tempo, como por exemplo fome e fadiga. Nem aquelas do enve­lhecer do corpo e do embotamento das faculdades mentais.
Aqui não há o ciclo de primavera, outono e inverno; em lugar deles gozamos a gloria de eterno verão — e nunca nos cansamos disso!
Como sempre, voltei-me para indagar de meu amigo a respeito das reuniões de congregações. Era muito simples, disse êle. Quem estiver encarregado delas, tem apenas que enviar seus pensamentos para a sua congregação, e aqueles que desejam vir, se reúnem. Não há necessidade de tocar os sinos, pois a emissão do pensamento é muito mais completa e exata. Os paroquianos têm apenas que esperar até que os pensamentos os alcancem para se con­gregarem. Mas onde obtém o prelado a indicação de que se aproxima a hora do culto? Essa questão, me disse êle, fazia surgir um problema muito maior.
Com a ausência do tempo terreno no mundo do espírito, nossas vidas são ordenadas por acontecimentos, isto é, aqueles que são parte da nossa vida. Não me refiro às ocorrências incidentais, mas às que na terra são consideradas aconteci­mentos periódicos. Temos aqui muitos desses acontecimentos, como espero demonstrar à medida que desenvolvo a narrativa, e ao fazê-lo verão como nós sabemos que a realização de certos atos, individuais ou coletivamente, nos são claramente lembrados. A igreja que agora visitávamos havia estabe­lecido uma ordem regular de serviços, como aqueles a que estamos acostumados na terra. O prelado que trabalhava como pastor desse estranho rebanho sentiria, pelos seus de-veres cotidianos na terra, a aproximação do dia e hora usuais em que os cultos eram mantidos. Seria, por assim dizer, instintivo, e tornar-se-ia mais acentuado com o hábito, até que a percepção mental adquirisse absoluta regularidade, como no plano terreno. Assim, a congregação, tem apenas que esperar o chamado de seu ministro.
A tabuleta de avisos dava uma lista dos serviços usuais vistos geralmente numa igreja terrena da mesma denominação. Um ou dois itens estavam entretanto visivelmente ausentes, como os comunicados de casamentos e batizados.   A pri­meira omissão podia-se compreender, e a última podia apenas significar que o batismo é desnecessário, visto que o bati­zado estaria no Céu — onde se presume que esta igreja esteja situada.
Entramos e vimos um encantador edifício, de desenho convencional.   Havia belíssimos vitrais representando cenas da vida de santos, através dos quais se espargia uma luz, vinda de todos os lados da igreja e produzindo um estranho efeito no ambiente, devido ao seu colorido.    Providências para aquecer o prédio eram, é claro, supérfluas.   Havia um esplêndido órgão numa das extremidades, e o altar-mor era ricamente trabalhado. Fora isso, havia certa simplicidade, que de maneira alguma afetava a beleza geral da peça de arquitetura.   Havia sinais evidentes de cuidadoso trato por toda parte.    Sentamo-nos um pouco, gozando a paz e a calma do lugar e, tendo visto tudo que ali havia, retomamos ao ar livre.

Continua no Bloco II - Lar Para Repouso






















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