sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A VIDA NOS MUNDOS INVISÍVEIS -BLOCO II


IV.  Lar Para Repouso

Ao caminharmos, pelo menos dois de nós refletíamos sobre o que havíamos visto — e a sua significação. Nossa jovem amiga, que se chamava Rute, nos fez várias perguntas, mas, esquivei-me de respondê-las, porquanto era também eu um recém-chegado. Edwin — o nome do nosso amigo que até aqui omiti — encarregar-se-ia de o fazer.
Rute nunca fora muito freqüentadora de igrejas en­quanto viva, mas era uma alma bondosa, como se podia ver, assim como era fácil ver que a ausência da igreja não lhe acarretara diferença no destino. Suas ações a favor do próximo tinham contribuído mais para o seu bem-estar espi­ritual do que toda a exibição externa de religião, Assim como eu, ela também se surpreendia de ver, em espírito, a completa coleção de acessórios da religião ortodoxa. Edwin disse-lhe que até então havia ela visto apenas um exemplo, e que havia muitos outros. Mas, tendo visto um, era o mesmo que ver todos.   Cada seita, é claro, mantém seus próprios

credos e formulários, tal como na terra, com muito pou< diferença, como acabávamos de ver.
Tal sonolência espiritual não é novidade no reino dos espíritos. O mundo é o culpado disso. As controvérsias reli­giosas são a base de toda a ignorância e falta de conhecimento que tanta gente traz para o mundo espiritual, e, desde que a mente de tais pessoas é teimosa e realmente incapaz de pensar por si só, então, elas se mantêm acorrentadas a suas estreitas opiniões, julgando-as verdadeiras, até que um dia lhes vem o despertar espiritual. É quando verificam que a escravidão mental as retardava. E é lamentável que a cada um que deixa para sempre essas congregações mal-orien-tadas, outro substituto apareça — até que chegue a hora de toda a terra conhecer a verdade sobre o mundo do espírito. Evidentemente aqui não prejudicam a ninguém, visto que apenas estão retardando o seu próprio progresso espiritual. Compreendendo o que estão fazendo a si próprios, dão o primeiro passo firme para a frente e sua alegria é ilimitada. Compreenderão então o tempo que aparentemente desperdiçaram.
Agora, é caso de se perguntar: desde que com a aqui­sição da verdade e do conhecimento, essas extensões de re­ligiões terrenas ao mundo espiritual são desnecessárias, o que devemos colocar em seu lugar? Isto poderia parecer uma condenação à adoração comunal. — Absolutamente. Temos a nossa adoração comunal aqui, mas ela é purificada de todos os traços de credos sem significado, de doutrinas e de dogmas. Adoramos o Grande e Eterno Pai em verdade absoluta. | E ninguém é forçado a crer cegamente — ou de­clarar que o faz — em algo que é completamente incom­preensível a qualquer mente. Aqui há muitas e muitas coisas que não compreendemos — e levaria milhões de anos antes de termos a mais leve sombra de entendimento. Mas não nos pedem que compreendamos, mas sim que as aceitemos tal como são. Isso não influi em nada no progresso de nossa alma. Poderemos progredir mais e mais sem necessidade de pensar em compreender.
Tais foram os assuntos discutidos — era Edwin que os expunha — enquanto caminhávamos pelo maravilhoso céu de Deus. Rute descobriu um imponente edifício, em terras bem--arborizadas, que também despertou minha curiosidade. Ape­lamos para o nosso guia, e Edwin nos contou que era um lar para repouso, destinado àqueles que chegassem ao espí­rito depois de longa enfermidade ou que haviam tido violento passamento.  Indagamos se seria possível dar uma espiada lá dentro, sem parecermos bisbilhoteiros.    Êle assegurou-nos que seria muito fácil, visto que prestara serviços lá, e era portanto persona grata.  Além disso, tínhamos suficiente sim­patia para banirmos qualquer idéia de que éramos introme­tidos.   Ao nos aproximarmos vimos que o edifício não se assemelhava em nada a um hospital, qualquer que fosse a sua função.    Construído no estilo clássico, tinha dois ou três andares, e era completamente aberto por todos os lados. Isto é, não possuía janelas, tais como as conhecemos na terra. Era de material branco, mas imediatamente acima dele via-se uma grande réstea de luz que envolvia a casa toda numa surpreendente tonalidade azul.   Q raio era doador de vida — um raio com poderes  terapêuticos  —  mandado para os recém-chegados que ainda não haviam despertado. Quando completamente restabelecidos para o mundo espiritual, ha­veria um esplêndido despertar e eles seriam apresentados à sua nova terra.
Notei que havia muitas pessoas sentadas nos gramados ou passeando. Eram parentes e amigos dos que estavam subme­tidos a tratamento no lar e cujo despertar era iminente. Em­bora, sem dúvida, pudessem ser chamados no instante neces­sário, eles seguiam o velho instinto terreno e preferiam esperar o feliz momento, ali por perto. Estavam extremamente alegres e entusiasmados, como se podia perceber pelas expressões dos semblantes, e muitos foram os sorrisos amistosos que recebemos ao passar entre eles. Muitos também vinham ao nosso en­contro para nos dar as boas-vindas julgando que ali estávamos pelas mesmas razões. Ao contar-lhes nossa real intenção, apressavam-se a deixar-nos caminho livre.

Observei que muitas das pessoas que esperavam nos jardins não estavam com suas vestimentas terrenas, e supus que já fossem espíritos há muito tempo. Mas não era esse o caso, como explicou Edwin. Eles tinham o direito de usar suas roupas de espírito em virtude de serem agora habitantes perenes do reino em que estávamos. E essas roupagens eram eminentemente apropriadas tanto ao lugar como à situação. Ê difícil descrevê-las porque depende de conseguirmos ou não compará-las a algum tecido terreno. Aí não há esses materiais, e toda aparência externa é produzida não pela consistência do tecido, mas pela espécie e grau de luz, que é a essência do manto. Os que víamos agora eram de vaporosa forma e compridos, e as cores — azul e rosa de vários tons — pareciam entremear-se em toda a substância do manto. Pareciam muito confortáveis, e, como tudo aqui, não necessitam cuidados para conservarem-se em perfeito es­tado, sendo suficiente a própria espiritualidade do seu por­tador.
Nós três estávamos ainda usando o estilo mundano de vestimentas, e Edwin sugeriu que, para os fins que tínhamos em vista, poderíamos mudá-las agora. Eu estava mais do que disposto a aceitar qualquer sugestão sua, e Rute também parecia ansiosa por experimentar essa mudança; mas o que nos intrigava era como ela seria feita.
Possivelmente há pessoas na terra prontas a acreditar que para sermos formalmente apresentados em roupagem espi­ritual seria necessária uma cerimônia na presença de um bom número de seres celestiais, vindos para testemunhar a doação dessa recompensa celestial. Apresso-me a dizer muito enfaticamente que não foi isso que aconteceu.
O que realmente sucedeu foi o seguinte: assim que expressei o desejo de desfazer-me das roupas terrenas, elas se desvaneceram — dissolvidas — e achei-me envolto em meu especial manto espiritual, igual aos que via em meu redor, O de Edwin também fora mudado da mesma maneira, e notei que irradiava mais luz do que o meu e de Rute; ela, é

desnecessário dizer, estava encantada com esta nova mani­festação do espírito. Meu velho amigo, que já passara por tal experiência, estava imperturbável; mas no meu caso e no de Rute, tudo era novo, e no entanto não sentimos o mais leve embaraço ou acanhamento diante desta, por assim dizer, revolucionária alteração na aparência externa. Pelo contrário, ela parecia-nos natural e de acordo com o nosso atual am­biente, e muito mais ainda, quando entramos na casa de repouso. Nada seria mais incongruente do que aparências terrenas em tal moradia, que em sua disposição interior e acomodações, era totalmente diferente do que víramos na terra.
Ao entrarmos, Edwin foi recebido por alguém, como velho amigo. Explicou sua missão e nossa presença ali, ao que nos deram as boas-vindas e liberdade para observarmos tudo o que quiséssemos.
Um vestíbulo externo conduzia-nos a um outro, interno, de consideráveis dimensões. O espaço que deveria ser des­tinado a janelas era ocupado por altos pilares um pouco afastados uns dos outros, sendo idêntica a disposição nas quatro paredes. Era mínima a decoração interior, mas não se suponha que o aposento fosse frio como um quartel. Nada disso. O chão era coberto de macio tapete em sóbrios de­senhos, e aqui e ali, nas paredes, via-se uma tapeçaria magnifi-camente trabalhada. Ocupando todo o espaço do chão, havia leitos extremamente confortáveis e em cada um, um vulto deitado, imóvel e aparentemente imerso em profundo sono. Vários homens e mulheres moviam-se silenciosamente ao redor, ocupados em observar os vários leitos e seus ocupantes.
Notei, logo ao entrar no salão, que ficamos sob a in­fluência do raio azul, e seu efeito era de renovação de energias e de tranqüilidade. Outra coisa notável era a completa ausência de qualquer idéia de instituição, com os inevitáveis inconvenientes de tudo que é oficializado. Os que assistiam os adormecidos, faziam-no, não com a atitude de quem se desincumbe de uma tarefa a esmo, mas como se realizassem

um puro trabalho de amor e com alegria. Era exatamente isso. O feliz despertar daquelas almas adormecidas era uma alegria repetida para eles, bem como para as pessoas que os tinham vindo ver.
Fiquei sabendo que todos os pacientes deste salão tinham sofrido prolongadas doenças antes do passamento. Logo após a morte, eles são postos docemente em profundo sono. Em alguns casos o sono é imediato — ou sem interrupção — à morte física. Longa doença anterior à entrada no espírito tem um efeito debilitante sobre a mente, que por seu turno influencia o corpo espiritual. Este último não é tão impor­tante, mas a mente requer absoluto descanso, de duração variável. Cada caso é tratado individualmente, e, conse­qüentemente reage a esse tratamento. J Durante o estágio a mente repousa completamente. Não há sonhos desagradáveis, nem febres ou delírios.
Enquanto observava esta perfeita manifestação da Di­vina Providência, vieram-me à idéia as absurdas noções ter­renas de descanso eterno, sono da eternidade e muitas outras concepções, igualmente errôneas, e me pus a imaginar se este sono que agora me era dado ver, não teria sido deturpado por mentes terrenas, que o consideram um sono eterno, para o qual passam todas as almas ao dissolver-se, e lá esperam, por infindáveis anos, o terrível último dia — o temido Dia do Julgamento. Aqui estava a refutação visível de tão insensata crença.
Nenhum dos meus dois amigos tinha despertado neste ou qualquer outro lar de descanso, disseram-me eles próprios. Como eu, não tinham sofrido prolongada doença, e o fim de suas vidas terrenas tinha vindo rápida e agradàvelmente.
Os pacientes em seus leitos pareciam em paz. Observação constante era mantida, e aos primeiros sinais de despertar da consciência, outros auxiliares são chamados e tudo corre às mil maravilhas. Alguns despertam parcialmente e retornam à sonolência. Outros sacodem o torpor, e é então que os experientes espíritos que os assistem terão sua tarefa mais

difícil. Até esse momento, de fato, foi só questão de vigilância e espera. Em muitos casos, é necessário explicar ao recém--desperto que êle morreu e está vivo. Lembrar-se-ão geral­mente da longa doença, mas alguns desconhecem que passaram ao espírito, e quando a verdade lhes é calma e docemente explicada, eles freqüentemente sentem desejos de voltar à terra, talvez aos que os choram ou por quem eram responsáveis. Dizem-lhes que não podem voltar e que outros com expe­riência tomarão conta dos que os preocupam. O despertar assim, não é feliz, comparado com os que acordam comple­tamente ao par do que aconteceu. Fosse a terra mais ins­truída, e isto seria mais comum, e haveria menos desgostos para aqueles que acordam.
O mundo terreno se julga muito adiantado, muito civi­lizado, mas tal opinião é fruto da ignorância. O mundo terreno é considerado como de suma importância e o mundo espiritual é olhado como algo vago e distante. E quando finalmente uma alma aqui chega é mais do que tempo de se começar a preocupar. Até então não havia necessidade de nos incomodarmos com esse assunto. Essa é a atitude mental de milhares e milhares de almas encarnadas, e aqui, neste lar de descanso, observamos quantas pessoas desper­tam de seu sono espiritual. Vimos almas bondosas e pa­cientes tentarem convencer essas pessoas de que realmente morreram. E este lar é apenas um, dos muitos em que o mesmo serviço está sendo levado a efeito, e tudo porque o mundo terreno é tão mais superior em sabedoria!
Foi-nos mostrado outro salão similiar, onde havia pessoas cujo passamento tinha sido repentino e violento. Esses casos eram geralmente mais difíceis do que os que acabáramos de ver. O passamento súbito acrescentava confusão a suas mentes. Em vez de uma gradual transição, o corpo espi­ritual em muitos casos é separado à força do corpo físico, e precipitado no mundo dos espíritos. O passamento foi tão repentino que lhes parece não haver solução de continuidade em suas vidas. Essas pessoas são cuidadas rapidamente por grupos de almas que devotam todo o seu tempo e energia a

tal trabalho. E agora, aqui, podíamos ver o resultado de tal labor.
Asseguro-vos que não é uma visão agradável a dessas pacientes almas lutarem mentalmente — e às vezes quase fisicamente — com pessoas que ignoram que estejam mortas. É até triste, posso afirmá-lo, porque fui testemunha. E quem é o culpado por tal estado de coisas? Muitas dessas almas culpam-se a si mesmas, depois de estarem aqui o suficiente para apreciarem sua nova condição, ou culpam o mundo que deixaram recentemente, por tolerar tal cegueira e estupidez.
Quando Edwin observou que já tínhamos visto o suficiente, tanto Rute como eu partimos sem lamentar. Deve-se lembrar que éramos, ambos, recém-chegados e não tínhamos ainda suficiente experiência para suportar espetáculos que pudessem ser penosos. Por isso passamos novamente ao ar livre, to­mamos um caminho que beirava um grande pomar semelhante, porém mais extenso, àquele onde me permitiram provar os frutos celestiais. Estava bem à mão daqueles que despertavam e, é claro, de qualquer outra pessoa que o quisesse usar.
Ocorreu-me que Edwin estava gastando muito do seu tempo conosco, talvez com sacrifício de seu próprio trabalho. Mas disse-me êle que o que fazia neste momento era, sob muitos aspectos, o seu trabalho costumeiro — ajudar as pessoas a acostumarem-se em seu novo ambiente, assim como ajudar os que começavam a desfazer-se de suas velhas crenças reli­giosas e a afastar-se da sufocante mentalidade das comu­nidades ortodoxas. Folguei em saber disso, pois significava que êle continuaria a ser o nosso cicerone.
Agora, aqui fora, surgiu a seguinte questão: deveríamos continuar com os mantos espirituais, ou deveríamos retornar à nossa velha indumentária? No tocante a Rute, nem quis ouvir falar em tal, declarando-se perfeitamente satisfeita assim como estava, e ainda nos perguntou se haveria roupas terrenas melhores do que aquelas. Em face de tais argumentos, submetemo-nos. Mas, e Edwin e eu? Meu amigo havia re­tomado sua batina terrestre apenas para me fazer companhia e me deixar à vontade. Decidi então ficar como estava — em trajos espirituais.
Em caminho conversávamos a respeito das várias idéias terrenas referentes à aparência pessoal dos espíritos. Rute mencionou a palavra asas, associando-a a seres angélicos e imediatamente concordamos que tal idéia era absolutamente absurda. Não poderia haver meio de locomoção mais desa­jeitado e solene do que esse. Creio que os artistas dos tempos antigos são os maiores responsáveis por esta noção tão dife­rente da realidade. Presume-se que julgavam essencial aos espíritos algum meio de locomoção, e que o método terreno de usar pernas era mundano demais para ser admitido, mesmo como remota possibilidade. Não tendo nenhum conhecimento sobre o poder do pensamento aqui, e de sua ação direta nos nossos próprios movimentos, eles recorriam ao único meio de locomoção através do espaço, que conheciam então — as asas. Será que ainda há pessoas na terra que crêem real­mente que somos aparentados com os pássaros?
Não tínhamos ido muito longe, quando Edwin pensou que talvez gostássemos de ir à cidade, que podíamos avistar não muito adiante. Digo "não muito adiante", mas não se deve pensar que a distância aqui tenha algum significado. É evidente que não! O que quis dizer é que a cidade estava suficientemente perto, para a visitarmos sem fazer qualquer desvio da nossa direção geral. Rute e eu logo concordamos que gostaríamos de partir para lá, visto que a cidade espi­ritual seria uma nova revelação para nós.
Surgiu então a pergunta: devíamos andar ou empregar um método mais rápido? Ambos achávamos que seria inte­ressante experimentar o que o poder do pensamento pode fazer, mas, como aconteceu anteriormente, e em outras circuns­tâncias, não sabíamos de que maneira pôr essas forças em ação. Edwin nos informou que uma vez conseguido este simples processo de pensar, nunca mais teríamos dificuldades no futuro. Em primeiro lugar, era necessário ter confiança; e em segundo, a nossa concentração de pensamento não po-

deria ser feita sem vontade. Para usar uma expressão terrena, "nós nos desejamos" lá, e, lá nos achamos! No início talvez seja necessário certo esforço consciente; mas depois, podemos mover-nos para qualquer parte, quase sem pensar, pode-se dizer! Voltamos aos métodos terrenos, quando desejamos sentar-nos, andar, ou executar ações já familiares e nem perce­bemos qualquer indício de esforço para realizar o menor dos nossos desejos. O pensamento passa tão rapidamente pela nossa mente, que nem nos damos conta dos muitos movi­mentos musculares envolvidos nesse processo: eles passam a ser uma segunda natureza. É assim precisamente o que acontece aqui. Pensamos apenas que gostaríamos de estar em tal lugar, e já estamos lá. Preciso, é claro, esclarecer que nem todos os lugares estão abertos a nós. Há muitos reinos onde não nos é dado entrar, a não ser em circunstâncias muitos especiais, e somente se o nosso progresso o permitir. Isso entretanto, não afeta o método de locomoção aqui, mas meramente nos delimita certas direções bem definidas.
Uma vez que desejávamos estar juntos, perguntei a Edwin se não seria mais prático os três terem o mesmo pensamento e fixar a mente na mesma localidade. Ao que êle respondeu haver vários fatores a serem observados nesse particular. Pri­meiro, era que, sendo esta a nossa tentativa inicial de loco­moção mental, êle ficaria de certa forma tomando conta de nós. Depois, deveríamos, automaticamente permanecer em contacto uns com os outros, visto que assim o tínhamos dese­jado. Esses dois fatos já eram garantia suficiente de uma chegada conjunta e a salvo ao local do nosso destino. Quando adquiríssemos suficiente prática nesses métodos não haveria mais dificuldades.
Não nos devemos esquecer que o pensamento é instan­tâneo, e não há possibilidade de se perder em espaço ilimitado. Tive experiência disso imediatamente após o meu faleci­mento, mas nessa ocasião eu me havia movido relativamente devagar e com os olhos firmemente fechados. Edwin su­geriu então que, para gozarmos desse divertimento agradável, tentássemos uma experiência sozinhos.    Assegurou-nos que

nada de mau nos adviria, em qualquer circunstância. Propôs que Rute e eu nos projetássemos a um pequeno agrupamento de árvores, cerca de um quarto de milha distante — em medidas terrenas. Sentamo-nos na grama, a contemplar o nosso objetivo, e Edwin disse-nos que se ficássemos nervosos, poderíamos dar-nos as mãos. Rute e eu devíamos ir sós, enquanto êle permaneceria no gramado. Teríamos apenas que nos imaginar ao pé daquelas árvores. Olhamo-nos diver­tidos, ambos imaginando o que iria acontecer, e nenhum tomava a iniciativa. Estávamos assim hesitantes, quando Edwin disse: "Parti!" Sua exclamação deve ter fornecido o necessário estímulo, pois peguei a mão de Rute, e logo depois nos achamos de pé sob as árvores!
Olhamo-nos, se não com espanto, pelo menos com algo muito semelhante. Lançando o olhar para onde tínhamos deixado Edwin, lá o vimos acenando com a mão. Foi então que algo estranho aconteceu. Ambos vimos à nossa frente, o que nos pareceu um clarão. Não era ofuscante, nem nos amedrontou. Apenas chamou a nossa atenção, como acontece com o sol ao surgir detrás das nuvens. Iluminou um pequeno espaço diante dos nossos olhos e ficamos imóveis, cheios de ansiedade pelo que iria acontecer. Então, claramente, e sem sombra de dúvida, ouvimos — ou com os ouvidos, ou com a mente, não posso dizer — a voz de Edwin indagando se havíamos gostado da breve viagem, e que voltássemos como tínhamos vindo. Ambos comentamos o que víramos, tentando determinar se era realmente Edwin que havia falado. Mal tínhamos demonstrado a nossa perplexidade, e ouvimos outra vez a voz de Edwin, assegurando que nos ouvira enquanto procurávamos esclarecer aquele fato! Ficamos tão jubilosos e admirados, que resolvemos voltar imediatamente para perto de Edwin e exigir uma explicação. Repetimos o processo, e lá nos achamos outra vez, sentados ao lado do nosso amigo, que ria feliz com a nossa estupefação.
Já êle se preparara para o ataque — e nós o bombar­deamos com perguntas — e contou então, que nos reservara essa surpresa de propósito.    AH estava, disse êle, outro exemplo do pensamento concreto. Se nos podemos mover pelo poder do pensamento, segue-se que também poderemos enviar os nossos pensamentos por si sós, livres de toda idéia de distância. Quando focalizamos os nossos pensamentos em alguma pessoa no mundo espiritual, sejam eles na forma de mensagem definida, ou apenas de natureza afetuosa, atin­girão o seu objetivo, sem sombra de dúvida; é o que acontece no mundo espiritual. Como acontece, não estou preparado para dizer. É mais uma das coisas que aceitamos como são e nos rejubilamos com elas.
Até aqui, tínhamos usado os órgãos da fala para con­versar com alguém. "Era quase natural e não lhe demos maior importância. Não tinha ocorrido a Rute ou a mim que houvesse aqui um meio de comunicação à distância. Não estávamos mais cerceados pelas limitações terrenas, e no entanto até agora não víramos nada que substituísse o usual método de intercomunicação terrena. Essa ausência total devia nos ter preparado para o inesperado.
Apesar de podermos assim enviar os nossos pensamentos, não se deve supor que a nossa mente permaneça como um livro aberto para todos lerem. Absolutamente. Podemos, se quisermos, guardar deliberadamente os nossos pensamentos para nós mesmos; se os deixamos vagar ociosamente, então, sim, poderão ser lidos por outrem. Uma das primeiras coisas a compreender aqui, é que o pensamento é concreto, pode criar e construir, e o nosso imediato esforço, portanto, é colocar os pensamentos sob controle adequado. Mas, como tantas outras coisas aqui, podemos nos ajustar logo às novas condições, se nos dispusermos a isso; e nunca nos faltarão os mais dedicados auxiliares. Estes já foram encontrados por mim e Rute, para nosso grande alívio e gratidão.
A esta altura Rute já estava impaciente para ir à cidade e insistiu com Edwin para lá nos conduzir imediatamente. Desta forma, sem mais delongas, erguemo-nos da grama e a uma palavra do nosso guia, partimos.
Ao nos aproximarmos da cidade, foi possível avaliar a sua enorme extensão. Nem preciso dizer que era totalmente diversa, de tudo que jamais víramos. Consistia de grande número de majestosos edifícios, rodeados de magníficos jardins e árvores, onde brilhavam, aqui e acolá, espelhos de água, límpida como cristal, refletindo, além das cores já conhe­cidas da terra, outras mil tonalidades jamais vistas.
Nem se pode imaginar que esses jardins tivessem a menor semelhança com os da terra, que por melhores e mais belos que sejam, ficam a perder de vista, em comparação com esta riqueza de perfeito colorido, e perfumes celestiais. Ca­minhar pelos gramados em meio a tal profusão de beleza na­tural, nos deixava fascinados. Nunca pensara que as belezas do campo, tais como as conhecia, pudessem ser assim ultra­passadas.
Minha mente se transportara às ruas estreitas e às cal­çadas apinhadas da terra; prédios amontoados porque o espaço era valioso e caro; o ar, pesado e poluído, pela grande cadeia de tráfego; tinha pensado na pressa e no tumulto, em toda a agitação da vida comercial e na excitação de prazeres pas­sageiros. Não tinha a menor idéia de uma cidade de beleza eterna, tão diferente de uma cidade terrena quanto a luz do dia o é da noite escura. Viam-se largas ruas de gramados verdes como esmeraldas, partindo, como os raios de uma roda, do edifício, que era o centro de toda a cidade. Um grande raio de luz purificada descia sobre a cúpula e instinti­vamente sentimos, sem que Edwin o dissesse, que neste templo podíamos erguer, à Grande Fonte de todas as coisas, as nossas graças, e que ali acharíamos nada menos que a Glória de Deus na Verdade.
Comparados com as estruturas terrenas, os edifícios não eram muito altos, mas apenas extremamente amplos. É impossível descrever de que materiais se compunham, por serem essencialmente espirituais.   A superfície é lisa como

mármore, e tem a delicada consistência e a transparência do alabastro, ao mesmo tempo que cada prédio emite uma cor­rente de luz da mais pálida tonalidade. Alguns eram esculpidos com desenhos de folhagens e flores, outros, quase sem adornos, usando como tal apenas seu estilo meio clássico. Sobre tudo isso derramava-se ininterruptamente a luz celestial, de maneira que não havia sombras em parte alguma.
Esta cidade, devotada ao cultivo do saber, ao estudo e prática das artes, e aos prazeres de todo este reino, não é exclusividade de ninguém,- mas livre para todos a gozarem, com iguais direitos. Aqui é possível prosseguir qualquer das agradáveis e profícuas ocupações começadas no plano terrestre. Aqui, também, muitas almas podem se entregar a amenas diversões que lhes tinham sido negadas por várias razões, enquanto encarnadas.
O primeiro departamento era dedicado à arte da pin­tura. De grandes proporções, continha uma longa galeria em cujas paredes eram exibidas todas as grandes obras-primas conhecidas do homem. Estavam dispostas de tal maneira, que se poderia acompanhar cada passo do progresso terreno, a começar da Antigüidade, até os dias atuais. Todos os estilos pictóricos, colhidos em todos os pontos da terra, estavam aqui representados.
Grande número de pessoas se moviam ao longo da ga­leria, muitos seguindo a própria fantasia. Mas havia grupos mais sérios, atentos às palavras de experimentados mestres, que apontavam as várias fases da história da Arte, ilustrada nas paredes; e suas explicações eram tão claras e interessantes que ninguém podia deixar de as compreender.
Reconheci muitas daquelas pinturas, pois que víramos seus originais, nas galerias da terra. Qual não foi a nossa sur­presa quando Edwin declarou que os que tínhamos visto na terra não eram, absolutamente os originais. Agora é que estávamos vendo pela primeira vez os originais. Tínhamos visto na terra apenas reproduções, que, por sua vez, eram deterioráveis sob a ação do tempo, do fogo, da água, etc.
Mas aqui deparávamos com os resultados diretos dos pensa­mentos do pintor, criados no etéreo antes de êle transferir essas idéias à tela.  Podia-se observar muitos casos em que a pintura terrena não correspondia ao que o artista tinha em mente. Esforçava-se por reproduzir sua concepção exata, mas devido às limitações físicas, essa exata concepção lhe esca­pava.   Em alguns casos faltavam os pigmentos necessários, quando, ao iniciar, o artista fora incapaz de achar ou criar a exata tonalidade desejada.   Mas, apesar de incapaz fisica­mente, sua mente sabia precisamente o que êle desejava fazer.  Havia criado em seu espírito os resultados que agora podíamos ver, ao passo que na tela material havia falhado.
Essa foi a grande diferença observada nos quadros, ao compará-los com os que tive oportunidade de ver na terra. Outra grande diversidade — e a mais importante — era o fato de que todos esses quadros estavam vivos.  É impossível dar uma idéia disso; é preciso ver, para poder compreender. Posso apenas sugerir uma idéia. Os quadros, fossem paisagens ou retratos, nunca eram planos, isto é, nunca pareciam pintados sobre uma tela, mas possuíam toda a perfeição do relevo. 0 tema salientava-se quase como se fosse um modelo - um modelo de onde se pudessem apanhar todos os elementos que constituem o tema de um quadro.   Sentia-se que as sombras eram verdadeiras sombras, projetadas por verdadeiros ob­jetos.   As cores brilhavam com vida, mesmo nas primeiras obras anteriores ao verdadeiro progresso.
Veio-me à mente um problema, para cuja solução natu­ralmente recorri a Edwin. Era o seguinte: como seria inde­sejável e talvez impraticável expor nas galerias todos os quadros que emanassem do plano terrestre, qualquer idéia de preferência baseada em julgamento de outros não me parecia de acordo com a lei espiritual. Neste caso, que sistema seria usado para a seleção de pinturas a serem expostas? Disseram-me que essa era uma pergunta fre­qüente entre os visitantes das galerias. A resposta é que, até que um artista, bom ou mau, ou apenas medíocre, se ajuste à nossa vida, é desprovido de qualquer ilusão terrena - se

alguma vez a teve — a respeito de seu trabalho. Geralmente estranha timidez se manifesta, estimulada pela imensidão e a superlativa beleza deste reino. De maneira que no fim, o problema é mais de escassez do que de superabundância.
Quando pudemos contemplar os retratos de tantos ho­mens e mulheres, de fama universal, tivessem eles vivido em épocas longínquas ou nos dias presentes, eu e Rute experi­mentamos uma sensação estranha, ao pensarmos que éramos agora habitantes do mesmo mundo, e que, como nós, eles estavam bem vivos, não eram apenas meras figuras históricas das crônicas do mundo terrestre.
Em outras partes do mesmo departamento havia salas onde os estudantes de arte podiam aprender tudo o que há para se aprender. A alegria desses estudantes, livres de suas limitações corporais e terrenas, era imensa. Aqui, a instrução é fácil, e a aquisição e aplicação do saber igualmente fáceis, para os que desejam aprender. Desaparecem todas as lutas do estudante para superar as dificuldades terrenas da mente e das mãos, e a marcha para a proficiência é, conseqüente­mente, uniforme e rápida. A felicidade de todos os estudantes que víamos, era contagiante, pois não há mais limites para os seus esforços, desde que aquele espantalho da vida terrena — o tempo que voa —- e todos os pequenos empecilhos da existência foram abandonados para sempre. É pois para se admirar que dentro daqueles templos, bem como em outros da cidade, os artistas estejam desfrutando das horas douradas de sua recompensa espiritual?
Fazer um estudo prolongado dos quadros da galeria seria muito exaustivo, além disso, no momento, queríamos apenas ter uma visão geral de tudo o que havia aqui; mais tarde, se quiséssemos, poderíamos voltar e admirar as coisas que mais nos agradaram. Assim pensávamos os três. Não nos detivemos pois, nas galerias, por muito tempo e aceitamos a sugestão de Edwin de passar para outro imenso departamento.
Era o edifício de literatura, e continha todas as obras dignas desse nome. Seu interior era formado de salas, menores que as das pinturas.    Edwin conduziu-nos a um espaçoso
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recinto, onde estavam as histórias de todas as nações sobre a face da terra. Para qualquer pessoa que tenha conheci­mentos da história terrestre, os volumes que enchem as pra­teleiras desta seção seriam altamente proveitosos. O leitor poderia ler pela primeira vez, a verdade sl respeito da história de seu país. Fingir e mentir é impossível, porque nada, a não ser a verdade, pode ter entrada nestes reinos.
Desde então voltei muitas vezes àquela biblioteca e passei proveitoso tempo entre seus inúmeros livros.   Apro­fundei-me particularmente em História e, o que vi espantou-me. Naturalmente encontraria uma História escrita da mesma maneira conhecida por nós, mas havia uma diferença essencial: é que agora eu teria pela frente toda a verdade acerca dos fatos históricos.   Isto era evidente, mas fiz outra descoberta que a princípio me deixou atônito.  Paralelamente às simples citações de atos de pessoas notórias, de estadistas em cujas mãos esteve o governo de seus países, de reis à frente de seus reinos, paralelamente a tais declarações, estava a ver­dade, nua e crua, dos motivos que governavam e sustentavam esses atos — a verdade acima de qualquer dúvida.   Muitos desses motivos eram elevados, e muitos eram completamente vis; uns eram mal-interpretados e outros, deturpados.   Gra­vados indelèvelmente nos anais do espírito, estavam as verí­dicas narrativas de milhares e milhares de seres humanos que, durante sua jornada terrena haviam participado dos aconte­cimentos de seu  país.    Alguns eram  vítimas de traição e vileza de outros; alguns também eram os causadores dessa traição e vileza.    Ninguém foi poupado ou omitido.   Lá estava tudo para se ver — a verdade sem atenuantes, sem supressões. Os arquivos não respeitavam ninguém, fosse rei ou plebeu, prelado ou leigo.    Os historiadores tinham apenas registrado a história verídica, tal como era.  Não se recorreu a enfeites, — nem a comentários.   Ela falava por si só. E fiquei profundamente grato por algo: que essa verdade nos tivesse sido poupada até agora, quando aqui estamos, agora, que nossa mente, de certo modo, está preparada para receber tais revelações.
Até aqui só me referi à história política, mas aprofun­dei-me também na da igreja, e as revelações nesse setor não foram muito melhores. Eram de fato, piores, considerando-se em Nome de quem tantas ações diabólicas foram cometidas, e, por homens que, externamente professando servir a Deus, eram apenas instrumentos de outros tão baixos quanto eles mesmos.
Edwin havia me prevenido disso, mas nunca julgara a que ponto de veracidade chegariam os fatos. Os supostos motivos apresentados pelos nossos livros de história na terra estavam bem longe dos verdadeiros.
Apesar desses volumes testemunharem contra os perpe-tuadores de tantos feitos escusos na História, também teste­munhavam ações nobres e elevadas. Não estavam lá especifi­camente para atacar ou defender, mas porque a literatura se tornou parte do material da vida humana. Se há prazer em ler, não deve haver então livros para esse fim? Podem não ser exatamente iguais aos livros terrenos, mas estão de acordo com tudo o mais aqui.
Passamos através de muitas outras salas, onde estavam, à disposição de quem quisesse, obras sobre todo e qualquer assunto imaginável. E talvez um dos mais importantes assuntos fosse o que se chama de ciência psíquica. Fiquei boquiaberto com a riqueza da literatura sob essa. denominação. Nas prateleiras havia livros negando a existência de um mundo espiritual e negando também a realidade da volta do es­pírito. Muitos desses autores tiveram desde então a oportu­nidade de rever suas próprias obras — mas com sentimentos bem diferentes! Eles mesmos haviam se tornado testemunhas vivas contra o conteúdo de seus próprios livros.
Ficamos muito impressionados com as belíssimas enca­dernações dos livros, com o material em que eram impressos e com o estilo da impressão. Pedi de novo informações a Edwin e foi-me explicado que o processo de reprodução de livros no mundo espiritual não é o mesmo que no setor da pintura.  Eu mesmo vira como a verdade fora suprimida na­queles volumes, ou com intenção deliberada ou por verdadeira ignorância dos fatos. No caso dos quadros o artista tinha desejado retratar a verdade, mas fora incapaz de o fazer, se bem que não por sua própria culpa. Portanto, não perpetuou inverdades, pelo contrário, sua mente tinha anotado o que era absolutamente real. Um autor dificilmente escreveria um livro com intenções diametralmente opostas às que êle ex­pressa. Quem, pois, escreve um livro com as verdades, aqui no espírito? O seu próprio autor — quando vem para o mundo espiritual. E êle se sente feliz por poder fazê-lo. Fica sendo o seu trabalho, e por meio dele pode ganhar a melhoria de sua alma. Não terá dificuldades em relação aos fatos, visto que eles, aqui, estão em sua frente e prontos a serem registrados, mas, desta vez, dentro da verdade. Não há neces­sidade de dissimular, o que de fato seria inútil.
Quanto à impressão de livros, não há na terra máquinas impressoras?   É claro que sim!   E o mundo espiritual não pode estar menos aparelhado a esse respeito do que os seres terrestres, só que aqui os métodos são totalmente di­versos.   Temos peritos que são artistas no seu trabalho -e um trabalho que é feito com amor. O método de reprodução aqui é somente um processo mental, como todo o resto, e o autor e impressor trabalham juntos em completa harmonia. Os livros que resultam desta cooperação são verdadeiras obras de arte, belíssimas criações que, à parte o conteúdo literário, são encantadoras à vista.   A encadernação é outro processo de peritos, realizado também por artistas, com materiais jamais encontrados sobre a terra.   Mas os livros assim produzidos não são coisas mortas que requeiram uma concentração de toda a mente sobre eles.   Vivem tanto quanto os quadros que vimos anteriormente.   Apanhar uma obra e começar a lê-la significa também perceber com a mente — num processo impossível na terra — todo o fato narrado, seja ciência, história ou arte. O livro, uma vez nas mãos do leitor, instan­taneamente responde, quase da mesma maneira como as flores ao nos aproximarmos delas.  A intenção é diferente, é claro.
A imensa quantidade de livros que havia era para o uso de todos, sem restrições, regras impertinentes ou regulamentos. Tendo toda essa riqueza de sabedoria à nossa volta, fiquei abismado com a minha própria ignorância, e Rute sentiu o mesmo. Edwin porém, assegurou-nos que não nos devíamos assustar com isso visto que tínhamos à frente toda a eternidade. Essa lembrança foi confortadora, pois era um fato de que sempre nos esquecíamos. Leva tempo para se perder aquela sensação de instabilidade, de transitório, que associamos à vida terrena. Em conseqüência, julgamos que é necessário ver tudo, o mais depressa possível, embora o fator tempo tenha deixado de existir.
A esta altura Edwin achou que devia mostrar a Rute algo que a interessasse em particular e levou-nos, assim, ao depar­tamento de tecidos. Era igualmente espaçoso, mas os com-partimentos eram de maiores proporções do que aqueles que acabáramos de ver. Aqui existe uma infinidade de belos materiais, assim como tecidos executados há milhares de séculos, e dos quais pouca coisa restou na terra. Era possível admirarmos então, tecidos sobre os quais lemos nas histórias e crônicas, nas descrições de cerimônias de gala, e em ocasiões festivas. E, por mais que se falem da mudança de estilo e gostos que se vêm sucedendo através das idades, o mundo terreno tem perdido suas cores e torna-se cada vez mais sombrio e melancólico.
O colorido de muitos dos tecidos era simplesmente so­berbo, enquanto que os magníficos desenhos nos revelaram artes há muito desaparecidas da terra. Mesmo perecíveis na terra, eles aqui são eternos. Novamente podíamos observar o progresso gradual conseguido no desenho e fabricação dos tecidos e devemos admitir que, a julgar pelo que víamos, esse progresso se verificou até certo ponto, quando então se deu um movimento de regressão. Falo, evidentemente, de modo geral.
Pode-se pensar que o que víramos até então não passava de museus celestiais, contendo, é verdade, amostras magníficas,

impossíveis de serem encontradas na terra, o que não os impedia de continuar a ser museus. Entretanto, na terra, os museus são lugares bem tristonhos. Têm aroma de bolor e preservativos químicos, visto que os objetos devem ser pro­tegidos da deterioração e extinção. E precisam ser protegidos contra o próprio homem, por meio de insípidas redomas de vidros. Ao passo que aqui não há restrições. Todas as coisas dentro destas paredes são livres e ao alcance de todas as mãos. Não existe ar bolorento, mas sim, a beleza dos objetos, que emitem sutis perfumes, enquanto jorra de todos os lados a luz celeste, para aumentar a glória das manufaturas dos homens. Não, estes não são museus, longe disso, são templos, nos quais nós, espíritos, estamos cônscios das graças eternas que elevemos ao Senhor, por nos dar tão ilimitada felicidade, num mundo de que tantos na terra negam a existência. Eles substituiriam tudo isso com o quê? Não o sabem! Dizem que há muitas e muitas belezas na terra, e que nós no espírito nada temos! Talvez seja outra das razões por que somos tão lamentados quando passamos a espíritos: porque deixamos para trás tudo que era lindo, para entrar no nada — um vácuo celeste. Tudo que é belo pertence, portanto, exclusivamente ao mundo; a inteligência do homem nada vale, quando êle aqui chega, pois que nada há em que ocupá-la! Apenas vazio! Não nos admiramos que as realidades e a imensa riqueza do mundo espiritual provoquem um choque de revelação para aqueles que esperavam uma eternidade do Nada celestial!
É essencial compreender que toda tarefa ou ocupação dos habitantes destes reinos, é perfeitamente voluntária, reali­zada apenas pelo simples desejo de a fazer e nunca com uma atitude de obrigação, "quer queiram, quer não"! Não há coisas, como essa de ser forçado a algum serviço! Nunca a má vontade é sentida ou expressa. Mas isso não quer dizer que se deseje o impossível. Podemos ver o resul­tado de uma ou outra ação, — mas se nós não podemos, há outros mais sábios que podem — e saberemos então, se devemos começar a nossa tarefa ou suspendê-la por enquanto. Nunca nos faltam conselho e ajuda. Podemos lembrar minha própria sugestão, no início, de tentar uma comunicação com a terra, para acertar alguns assuntos referentes à minha vida, tendo Edwin aconselhado que procurasse mais tarde orien­tação a respeito. É pois a verdade dizermos que o traço predominante aqui é o desejo de fazer e de servir. Menciono isto para que se compreenda bem o salão especial onde Edwin nos levou, depois do de tecidos.
Era, para todos os efeitos, uma escola, onde as almas que não tiveram o bem terreno de aprender, pudessem se equipar intelectualmente.
Saber e aprender, educação ou erudição, não representam valores espirituais, e a incapacidade de ler e escrever não significa falta de qualidades. Mas quando uma alma passa para esta vida, quando ela vê a grande e larga estrada es­piritual abrir-se-lhe à frente, com oportunidades múltiplas, vê também que o saber a ajudará no caminho espiritual. Poderá não saber ler. Neste caso, devem esses esplêndidos livros permanecer para sempre fechados a alguém, agora que tem a oportunidade de ler, conquanto lhe falte habilidade? Talvez deva-se perguntar: mas não disseram que não é preciso saber ler no mundo espiritual? Não há aqui uma espécie de percepção mental a ser colhida dos livros, sem auxílio material de palavras impressas? A mesma pergunta pode ser feita a respeito de quadros e de tudo o mais, aqui. Por que a necessidade de algo tangível? Se seguirmos esta linha de critério ela nos levará até aquele estado de vacuidade que acabei de mencionar.
O homem incapaz de ler sentirá, pela mente, que há algo dentro do livro que tem nas mãos, mas não ficará sabendo, instintivamente, ou de outra maneira qualquer, o seu conteúdo. O que sabe ler, se achará imediatamente en rapport com as idéias que o autor escreveu, e o livro, assim, se comunica com aquele que o lê.
Não é necessário poder escrever, e muitos que não o sabiam antes de chegar aqui, não se deram ao trabalho de preencher essa lacuna.

Deparamos nesta escola com muitas almas ocupadas em seus estudos e divertindo-se bastante. Adquirir conhecimentos aqui não é enfadonho, porque a memória trabalha perfeita­mente — isto é, infalivelmente — e os poderes da percepção mental não são tolhidos ou confinados por um cérebro físico. Nossas faculdades de compreensão são aguçadas e a expansão intelectual é firme e certa. A escola é o lar das ambições realizadas, para a maioria dos estudantes. Conversei com vários deles e cada um me contou que estudava agora o que sempre ambicionara na terra e cuja oportunidade lhe havia sido "negada no mundo, por razões já bem nossas conhecidas. Alguns não tiveram tempo, devido a atividades comerciais, ou então a luta pela vida tinha absorvido os meios neces­sários.
A escola era organizada muito confortavelmente e, é claro, não havia nem sombra de regulamentos. Cada estu­dante seguia seu curso independente de qualquer outra pessoa. Sentado confortàvelmente, ou nos esplêndidos jardins, come­çava o que queria, terminava, e, quanto mais se aprofundava nos estudos, mais interessado e fascinado se tornava. Posso falar disto por experiência própria, visto que tanto estudei na enorme biblioteca, desde que aqui cheguei.

|ji Ao deixarmos a escola, Edwin sugeriu um descanso à sombra das árvores, mas isso foi apenas uma maneira de dizer, visto que aqui não se sofre fadiga corporal. Entretanto, não temos, infindàvelmente, a mesma ocupação: isto significaria monotonia, coisa que não há aqui. Mas Edwin conhecia as emoções contraditórias que surgem nas mentes dos recém--chegados, e assim fizemos uma pausa, antes de novas explorações.

VI.  Várias Questões Respondidas

Edwin nos contou que um grande número de pessoas, assim que passam a espírito, sentem arder dentro de si tamanho entusiasmo ao lhes ser revelada a nova vida, que querem voltar imediatamente à terra, para contar ao mundo

as maravilhas daqui. Explicou-me ainda algumas das difi­culdades que se opunham à minha intenção de voltar também.
Outra tendência muito natural é fazer inúmeras per­guntas a respeito desta vida em geral, e notou que, neste particular, tanto Rute como eu havíamos demonstrado uma moderação fora do comum! Confessei entretanto, que, já que tocara no assunto, havia muita coisa que eu e Rute dese­jávamos saber, mas a dificuldade estava por onde começar.
Tínhamos deixado que os nossos passeios apresentassem seus próprios problemas, para serem solvidos por Edwin, mas havia considerações de natureza geral que surgiam à contem­plação da terra espiritual como um todo. Uma das primeiras que me vieram à mente foi a extensão deste reino. Alongava-se a perder de vista, e isto já por si era maravilhoso. Mas haveria um limite? Estendia-se êle muito além do que os nossos olhos podiam alcançar? Se havia um fim, poderíamos vê-lo com os próprios olhos?
Certamente que havia um limite, explicou Edwin, e po­díamos vê-lo a qualquer hora que quiséssemos. Além deste, havia ainda outros reinos. Cada pessoa, ao passar a espírito, entrava no reino para o qual se preparara na terra — a este apenas, e a nenhum outro. E Edwin começou por descrever--nos esta terra como a terra da grande colheita — a colheita daquilo que cada um semeou na terra. Podíamos julgar por nós mesmos, se a colheita era boa ou má. Descobriríamos que há muitas infinitamente melhores, e outras piores. Enfim, há outros reinos, muito mais belos do que aquele em que estávamos agora vivendo, felizes; reinos de infinita beleza onde só poderemos penetrar quando alcançarmos esse direito, quer como visitantes, quer como habitantes. Porém, apesar de não podermos lá entrar, as almas gloriosas, seus habitantes, podem vir a reinos de menor beleza celestial, e visitar-nos. Edwin já vira várias delas, e, esperávamos também fazê-lo. Vinham freqüentemente, aqui, para dar conselhos, ajudar, conceder recompensas e louvores; e não havia dúvida de que o meu problema podia ser submetido à orientação de uma dessas almas-mestres. Em certas ocasiões, também, esses seres transcendentais fazem visitas especiais, quando o reino todo celebra um grande acontecimento, tal como o Natal e a Páscoa, por exemplo. Rute e eu ficamos surpresos com isto, visto termos julgado ambas as datas essencialmente da terra. Mas era a maneira de celebrá-las e não as festas em si, que são exclusivas da terra. Nos reinos espirituais, tanto o Natal como a Páscoa são considerados aniversários; o pri­meiro, do nascimento para o mundo terreno, o segundo, do nascimento para o mundo espiritual. Neste reino as duas celebrações coincidem com as da terra, visto que há um elo espiritual maior entre os dois mundos, o que não acon­teceria se as festividades fossem realizadas independente­mente de estação. Não é assim, entretanto, nos reinos supe­riores onde leis de diferente natureza estão agindo.
No plano terrestre fixou-se uma certa data para o Natal, durante muitos séculos. A época exata do primeiro Natal já se perdeu, e é impossível determinar agora, com precisão, quando se deu. Mesmo que fosse possível, é tarde demais para fazer alterações, uma vez que já se estabeleceram a tradição e a prática. A festividade da Páscoa é móvel — um costume estúpido, visto que às vezes a data escolhida não tem relação alguma com a original. Não somos de maneira alguma depen­dentes da terra nestes assuntos, mas cooperamos com a terra em nossas celebrações conjugadas. Os reinos superiores têm suas razões boas para se afastarem dessa ordem. Tais razões não nos dizem respeito, até que passemos a esses elevados reinos.
Além destas duas festas pouco temos em comum com a terra. As outras são em geral eclesiásticas e sem significado espiritual, e provêm de doutrinas religiosas sem aplicação no mundo dos espíritos.
A festa da Epifania, por exemplo, é baseada numa colo­rida história, e era celebrada pelo povo, nos velhos tempos, de maneira secular e religiosa. Agora é apenas religiosa e de pouquíssima importância aqui. A festa de Pentecostes é outro

exemplo da cegueira da Igreja. O Espírito Santo — para usar a frase da Igreja — tem descido e estará descendo sobre todos os que são dignos de o receber. E não numa ocasião específica, mas sempre.
Tanto eu como Rute estávamos muito interessados em saber como o Natal era celebrado nestes reinos, visto que na terra, além de alguns serviços religiosos, a festa da Natividade se transformou num negócio secular; seu característico prin­cipal era o excesso de comidas e bebidas. Edwin nos contou que em espírito podemos experimentar o mesmo grau de felicidade que na terra, quando por exemplo a felicidade é o resultado ou expressão de bondade, quando nossas festi­vidades são misturadas com a lembrança dos grandes dias que estamos celebrando. Os que desejam, — e há muitos — podem decorar suas casas com folhagens, como foram acostumados na terra. Unimo-nos a alegres companhias, e, se se considera que a comemoração não estará completa sem haver algo para comer, por que não teríamos também uma superabundância das mais perfeitas frutas, de que já falei, para delícia dos mais exigentes?
Mas falei apenas do lado mais pessoal da festa; é nesta época que recebemos a visita daqueles seres perfeitos das regiões superiores, onde está o Ser cujo nascimento feste­jamos. E basta vermos essas belas almas passarem, para nos sentirmos cheios de exaltação espiritual, que perdura longo tempo, mesmo depois que elas voltam ao seu alto reino.
Na Páscoa temos visitas similares, mas há um muito mais alto grau de júbilo, porque para nós a passagem para o mundo espiritual, pela própria natureza das coisas, é de maior sig­nificação. De fato, quando deixamos o plano mundano ten­demos a esquecer o nosso aniversário terreno, e é novamente por meio de ligações com a terra, se é que as temos, que nos recordamos dele.
Detive-me um pouco neste assunto para tentar mostrar que não vivemos num estado febril de emoção religiosa por toda a eternidade. Somos humanos, apesar de tantas pessoas

na terra julgarem o contrário. Tais indivíduos estarão um dia nas nossas condições, e nada causa mais humildade do que ver a realização daquilo que um dia foi a nossa firme e decidida opinião.
Afastei-me um pouco do nosso primeiro tópico, mas é que a nossa conversa vai de um assunto a outro, sem nos apercebermos que estamos distantes do início.
Mencionei apenas de passagem os reinos superiores. E que dizer das esferas inferiores a que Edwin se referiu, quando falei dos limites deste reinado? Podíamos visitá-las a qualquer hora que desejássemos. Pode-se sempre ir a reinos inferiores ao nosso, mas nunca a um mais elevado. Mas não era acon­selhável vagar por essas esferas baixas sem guia capaz, ou antes de receber ensinamentos adequados. Antes de nos informar melhor sobre esse assunto, Edwin aconselhou-nos a conhecer primeiro a nossa agradável terra.
E agora, vamos ao que constitui os limites precisos deste reino. Estamos acostumados à idéia da redondeza da terra e a ver diante dos olhos o horizonte distante. Ao contemplar o mundo espiritual devemos abandonar a idéia de distância que se pode calcular com os olhos, visto que ela desaparece, pela rapidez dos meios de locomoção. Qualquer sugestão de planura terrestre é dissipada pela quantidade de colinas e planícies onduladas.
Sendo a atmosfera cristalina, nossa visão não é limitada. Não somos obrigados a manter os pés no chão. Assim como nos podemos mover lateralmente, podemos fazê-lo verti­calmente, como Edwin nos disse. E isto não nos tinha ainda ocorrido. Ainda estávamos acostumados aos nossos hábitos e limitações terrenas. Se podíamos afundar na água sem perigo, mas até com prazer, então, também, poderíamos subir ao ar com a mesma segurança e prazer. Rute não expressou desejo muito grande de o fazer por enquanto. Preferia esperar, disse ela, até estar mais aclimatada. Eu também partilhava seus sentimentos, o que divertiu muito o nosso bom amigo.

Onde está o limite entre a terra e o mundo espiritual? No momento em que faleci, como devem lembrar-se, eu estava perfeitamente consciente, e quando me ergui do leito em resposta a um apelo fortíssimo, nesse mesmo instante já me achava no mundo dos espíritos.  Os dois mundos devem, pois, se interpenetrar. Mas ao afastar-me sob o apoio e orien­tação de Edwin, não tinha noção de estar me movendo em alguma direção definida.   Movimento, certamente que havia. Edwin mais tarde me informou que eu passei através das esferas inferiores — e desagradáveis — mas que, devido a autoridade de sua missão para ajudar-me a passar ao meu reino, estávamos ambos protegidos de toda e qualquer in­fluência desagradável.  Éramos, de fato, completamente invi­síveis a todos os que não pertencessem ao nosso plano ou aos mais altos.
A transição de um reino para outro é gradual, tanto no que se refere à aparência externa, como em outros aspectos, de maneira que é difícil fixar em alguma localidade os limites deles. Parecem fundir-se quase que imperceptivelmente um no outro.
Edwin propôs agora que, a título de ilustração prática, fôssemos ver um desses limites que tanto nos intrigavam. Assim colocamo-nos sob sua orientação experiente, e par­timos.
Imediatamente nos achamos numa imensa planície gra­mada, mas ambos notamos que a grama aqui não era tão macia sob os pés; de fato, à medida que avançávamos tornava-se mais dura. O lindo verde-esmeralda desaparecia e tomava uma aparência de amarelo sombrio, similar à grama ter­restre depois de ser escaldada pelo sol, quando lhe falta água. Não se viam flores, árvores ou habitações, e tudo parecia triste e árido. Não havia sinal de vida humana, e tudo parecia desaparecer debaixo dos nossos pés, ao mesmo tempo que a grama desaparecia e pisávamos solo seco e duro. Notamos também que a temperatura havia caído consideravel­mente. Sumira todo o colorido belo e genial.  Havia no ar

umidade e frio que parecia grudarem-se a nós e às nossas almas. A pobre Rute agarrava-se ao braço de Edwin, e eu não tenho acanhamento de admitir que fiz o mesmo, e com grande prazer. Rute tremia visivelmente e parou de súbito, implorando que não fôssemos adiante. Edwin passou os braços ao redor de nossos ombros assegurando-nos que nada de­víamos temer, visto que êle tinha o poder de nos proteger. Entretanto, ele podia bem ver a profunda depressão e opressão que se apossara de nós, e, por isso, docemente, fez-nos voltar, segurando-nos pela cintura; e uma vez mais nos achamos sen­tados sob as belas árvores, rodeados de flores maravilhosas e envolvidos numa atmosfera morna, para bálsamo das nossas aflições.
É supérfluo acrescentar que tanto eu como Rute ficamos satisfeitos por estar de volta. Tínhamos ido apenas ao limiar das esferas inferiores, mas fora suficiente para nos dar idéia do que havia além. Sabia que levaria tempo antes de poder entrar lá, e pude perceber a sabedoria dos conselhos de Edwin.
Como estávamos falando dos limites espirituais, apesar de termos suspenso temporariamente nossas explorações, não pude deixar de indagar a respeito dos limites dos reinos superiores. Sabia que nada de desagradável podia haver em relação a eles e sugeri que, à guisa de contraste e para apagar a nossa enregeladora experiência anterior, pudéssemos talvez visitar a fronteira pela qual passam os nossos visi­tantes.   Não tendo havido objeções, partimos.
Achamo-nos de novo em gramados, mas com notável diferença. A grama era infinitamente mais macia do que a do interior do nosso reino. O verde era ainda mais brilhante, as flores mais abundantes e a intensidade de cores, perfume e poder vivificante, ultrapassava tudo que jamais encontrá­ramos. O próprio ar parecia impregnado de tintas do arco-íris. Havia poucas residências no local, mas atrás de nós podiam-se vislumbrar algumas das mais belas casas que jamais víramos. Nelas viviam almas maravilhosas que, apesar de nominalmente pertencerem ao nosso próprio reino, estavam, em virtude do seu progresso espiritual, de seus dons particulares e tra­balho, em contacto com os reinos elevados, para os quais tinham inteira autoridade e poder de passar, em várias ocasiões. Edwin prometeu-nos voltar a esse lugar, depois de termos visto a cidade, e lá poderíamos discutir o meu trabalho futuro e o de Rute. Tinha várias vezes indagado a mim mesmo em que espécie de trabalho espiritual me ocuparia quando me familiarizasse com a nova vida e a nova terra.
Assim como sentíramos frio e opressão nas fronteiras das esferas sombrias, sentíamos-nos agora presas de tal êxtase que quase não falávamos. Ao caminharmos, banhados em esplendor, sentimos tamanha exaltação que me veio à mente a descrição de Edwin, das visitas dos seres dos reinos su­periores, e eu quase pude sentir o que deveria experimentar quando recebesse uma dessas visitas. Ali, de pé, tinha-se o desesperado desejo de lutar pelo progresso que nos daria o direito de servir um daqueles habitantes da esfera, a cujas portas agora estávamos.
Caminhamos um pouco mais, mas não pudemos ir muito longe. Não havia barreiras visíveis, mas sentíamos que, se prosseguíssemos, não poderíamos respirar. A atmosfera es­tava se tornando rarefeita, e tivemos por fim que retroceder.
Podíamos ver muitas almas, envolvidas nas mais tênues vestimentas, cujas cores suaves nem pareciam pertencer-lhes, mas flutuar à roda dos tecidos — se é que se podia chamá-los de tecidos. Os mais próximos sorriam-nos de maneira tão amistosa, que sabíamos não estarmos sendo intrusos. Alguns até acenavam.
Meu amigo explicou que todos estavam a par do nosso intuito e por isso não se aproximavam, deixando-nos sozinhos gozar daquela experiência e absorver calmamente as belezas e esplendores daquela terra limítrofe.
Afinal, relutantemente voltamos, e logo nos achamos em nosso primitivo lugar, embaixo das árvores.    Sentíamo-nos

mais leves depois daquela visita, e tenho a certeza ae que até .Edwin, tanto tempo espírito, o sentia também.
Por uns momentos não falamos, absortos em nossos pró­prios pensamentos, e quando afinal o fizemos foi para crivar o bom Edwin de perguntas. Seria enfadonho enumerá-las, por isso darei as suas respostas como um todo.
Primeiramente, o que se refere às esferas inferiores, cujo limiar nos havia deprimido. Visitei-as depois em companhia de Edwin e Rute, e fiz excursões por lá, como fazemos agora aqui. Portanto, não quero antecipar o que terei de relatar mais tarde.
Para visitar os planos inferiores é necessário possuir — para nossa proteção certos poderes ou símbolos, que Edwin nos mostrou em seu poder. Tais lugares não são para os meros curiosos, e ninguém faria a tolice de ir sem um fim determinado. Os que o fazem sem autorização, são logo mandados de volta por almas bondosas, cujo trabalho nessa região é justamente desviar os outros dos perigos. Ê ver­dade que não vimos ninguém quando estivemos, mas, como nós, essas almas caridosas movem-se rapidamente.
No limite dos reinos superiores não necessidade de tais sentinelas, pois a lei natural impede-nos de o atravessar. Quando alguém de um plano inferior viaja para o alto, é sempre munido de autorização, concedida a ela ou à alma que lhe serve de guia. Neste caso, tal autorização toma a forma de símbolos ou sinais, dados ao viajante, a quem será sempre dedicada tâda a assistência que possa necessitar. Muitos desses símbolos têm em si o poder de preservar o viajante dos efeitos sobrenaturais da atmosfera espiritual su­perior. Esta não afetaria a alma, é claro, mas uma pessoa desprevenida nessas regiões se acha na mesma situação de alguém na terra que enfrente a luz do sol ofuscante, depois de prolongada permanência em completa escuridão. No caso do sol terreno, porém, pode-se, depois de certo tempo, voltar ao normal mesmo sob a claridade ofuscante, o que não acontece nos reinos superiores.  não tal poder de adaptação. O efeito perturbador será contínuo. Quando se tem de fazer uma viagem a esferas superiores é impres­cindível, em muitos casos, que um habitante destes reinos coloque um manto protetor sobre seu protegido, da mesma maneira que Edwin, num plano inferior, passou seus braços protetoramente à nossa volta.
Isso é em substância o que Edwin nos contou em resposta às múltiplas perguntas.
Sentíamo-nos agora suficientemente descansados e ace­demos ao convite de Edwin para continuarmos nossa inspeção da cidade.

Continua próximo Bloco III - A Música


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