IV. Tempo e Espaço
Julga-se em geral na terra
que no mundo espiritual nem o tempo nem o espaço existem, mas isso é um erro.
Temo-los ambos, mas nossa concepção sobre eles difere da terrena.
Às vezes usamos a expressão antes da aurora do tempo para dar a idéia da passagem
dos eons do tempo, mas não temos idéia do que está realmente sugerido por essa
frase.
No plano terrestre a medida
do tempo tem sua origem na revolução do globo sobre seu eixo, dando a divisão
do tempo conhecido como noite e dia. A invenção de relógios e calendários nos
deu meios convenientes, de medir o tempo, ao alcance de todos.
No mundo espiritual não temos
relógios ou outros engenhos mecânicos para indicar a passagem do tempo. Seria
a coisa mais simples no mundo espiritual os cientistas nos presentearem com
alguns, se isso fosse necessário. Mas não é. Não temos estações, nem a
alternância de luz e escuridão
como indicações externas do tempo, e além disso, não
temos aqueles lembretes físicos comuns aos mortais, da fome e sede, e fadiga,
além do envelhecer do corpo. Para quê, pois, teríamos necessidade da marcação
do tempo?
Temos
duas concepções do tempo, uma das quais, como na terra, é puramente relativa.
Cinco minutos, digamos, de agudo sofrimento sentido pelo corpo físico afetará a
mente de tal maneira que os momentos passageiros parecerão uma eternidade. Mas
cinco minutos de intensa alegria e felicidade desfilarão com a rapidez de um
segundo.
Aqueles dentre nós que vivem
nos reinos de felicidade e verão perpétuo não terão motivo para achar que o tempo não passa.
Nos reinos sombrios acontece
exatamente o contrário. O período de escuridão parecerá interminável àqueles
que aí vivem. Por mais que tais almas anseiem pela vinda da luz, ela, no
entanto, jamais vem. Eles é que devem dar o primeiro passo em direção à luz que
os espera nos reinos mais elevados. Um período de existência dentro das regiões
escuras, que não vai além de um ano ou dois do tempo terreno, parecerá uma
eternidade para os sofredores.
Se, normalmente, não temos os
meios usuais de medir o tempo porque não os necessitamos, podemos — e o fazemos
— voltar a ter contato com a terra onde nos podemos certificar da exata hora do
dia, ano, etc.
Algumas pessoas, que de outro
modo não o fariam, voltaram à terra com o simples intuito de satisfazer sua
curiosidade quanto ao número de anos que haviam estado no mundo espiritual.
Falei com alguns que fizeram esta jornada, e todos ficavam atônitos ao
descobrir os muitos anos que se passaram desde sua transição.
Falando por mim, eu achei que
o tempo passava rapidamente, mas sempre soube, através de todo esse período, qual era o ano
da Era Cristã. Em meu caso a razão era que me fora prometido um dia me comunicar
com o mundo terreno. Tinha, portanto, observado com agudo interesse, a
concatenação dos eventos que conduziriam, entre outras coisas, à realização do
meu desejo.
Edwin, que me recebeu no
limiar do mundo espiritual, e me conduziu ao meu novo lar, também estava ao
corrente do passar dos anos, porque êle, por seu lado, estivera me observando.
Poder-se-á julgar que o tempo
não tem muita influência além do mundo terrestre, mas isso não é bem verdade.
Todos os acontecimentos
terrestres referentes a indivíduos ou nações estão sujeitos ou governados pelo
tempo. E no ponto em que esses eventos atingem o mundo espiritual, nós no
espírito também sofremos a influência do tempo. Tomemos a festa do Natal como
o exemplo mais fácil. Celebramos esta festividade ao mesmo tempo que na terra.
Se o dia 25 de dezembro é a data correta historicamente, isso não vem ao caso.
O que importa é que as duas celebrações, a vossa e a nossa, são sincronizadas e
periódicas.
Em tempos .normais na terra,
essa época do ano dá lugar a uma grande onda de bondade e boa vontade. Muitas
pessoas, esquecidas em outras ocasiões, lembram-se § de seus amigos e parentes
já falecidos e lhes enviam pensamentos que nós no espírito ficamos felizes de
receber e retribuir. A celebração do Natal é sempre precedida por pensamentos
de agradável antecipação. Se nada mais houvesse para nos guiar, eles apenas
seriam suficientes para nos lembrar que a época festiva se aproxima.
Este exemplo particular do
Natal mostra que não dependemos inteiramente do plano terrestre para sabermos
da aproximação das festividades. Nestas ocasiões somos sempre visitados por
grandes almas, e se falhassem todos os outros meios, este seria infalível para
indicar a passagem do tempo.
Os que estão em constante
contato com a terra conhecem é claro, o dia, mês e ano em que estamos. Sabemos
também as horas exatas. Não há dificuldades nem mistérios. Quando descemos às
vossas condições podemos fazer uso dos muitos meios empregados por vós — e o
que pode ser mais simples? — Não precisamos, porém, como regra, estar
constantemente atentos ao dia e hora exatos, ou então tomar conhecimento deles.
Quando cooperamos ativamente convosco, os vossos pensamentos em direção a nós
são indicação suficiente de que decorreu um certo momento, enquanto nos pusemos
a trabalhar ou conversar. Tais pensamentos são tudo de que necessitamos. É na
natureza comum das coisas em espírito que, falando de maneira geral, podemos
perder todo sentido de continuidade temporal, nos espaços medidos como
co-nheceis. Deixamos que tudo permaneça assim até que tenhamos de fazer algo
que exija atitude diferente. Quando antecipamos a chegada de algum parente ou
amigo ao mundo espiritual, é para o evento que lançamos o pensamento, e não para o ano em que ele
vai ocorrer.
Cito-vos aqui simples fatos
do conhecimento derivado da minha própria experiência, e o que falei, portanto,
deveis aplicar estritamente ao reino em que vivo.
Dos reinos superiores nada
conheço diretamente, e o cabedal de informações que recolhi das conversas com
os seus habitantes tem sido governado e limitado pela minha capacidade de
compreensão. Tudo o que posso dizer, pois, sobre o tempo nas esferas superiores
é que nesses elevados estados atingimos reinos onde o conhecimento, entre
muitos outros atributos, é de uma ordem muito mais elevada. Os personagens
desses reinos é que me espantam mais com a exatidão de sua previsão de
acontecimentos que têm lugar no plano terrestre. Seus métodos para adquirir
essas informações estão além de nossa compreensão. É suficiente lembrar que
isso é assim mesmo, e que o tempo, em conseqüência, não é limitado aos reinos
de um não menos exaltado estado de progresso espiritual.
Quando chegamos ao assunto
sobre o espaço descobrimos que, geralmente falando, nós somos governados, até um certo ponto, pelas mesmas leis do plano
terrestre. Temos a eternidade do tempo, e temos também a infinidade do espaço.
O espaço deve existir no mundo espiritual.
Tomemos meu reino por exemplo. De pé à janela de um dos aposentos do andar de
cima, eu podia alongar a vista por distâncias infindas onde se espalham casas e
imponentes edifícios. À distância eu podia ver a cidade com muito mais prédios.
Espalhados por todo o amplo panorama há bosques, vales, rios, jardins, e
pomares, e todos eles ocupam espaço, exatamente como na terra. Cada um
preenche o seu espaço reservado. E eu sei, ao olhar da minha janela, que além
do alcance da minha vista, muito além ainda, há mais e mais reinos que
constituem a infinidade de espaço. Sei que posso viajar ininterruptamente
através de enormes áreas de espaço, áreas muito maiores do que o mundo
terrestre triplicado,* ou ainda maiores. Eu ainda não atravessei senão uma
fração da extensão completa do meu reino, mas posso fazê-lo quando bem o
entender. Disseram-me os amigos dos reinos superiores que eu poderia mesmo ir
àqueles estados, se o desejasse. Ser-me-iam dadas facilidades e o manto
protetor necessários para tal jornada, de maneira que, potencialmente, meu
campo de movimento é gigantesco.
Olhado por olhos terrenos
somente, essa imensa região estaria, é claro, fora do alcance da maioria das
pessoas, visto que o movimento através de tais distâncias na terra, seria
dependente dos meios de transporte, assim como de outros fatores. Mil milhas de
espaço terrestre é uma distância bem considerável, e requer muito tempo se
meios de transporte mais vagarosos são usados. Mesmo pelo mais rápido método,
um certo tempo deve passar antes de se chegar ao término dessa jornada de mil
milhas. Mas no mundo espiritual o pensamento altera toda a situação. Temos
espaço, e temos certo conhecimento do tempo em relação a ele. O pensamento pode
anular o tempo em sua relação com o espaço, mas não pode anular o espaço.
Posso estar em minha casa e
imaginar que gostaria de ir à biblioteca na cidade que diviso a milhas de distância. Nem bem a idéia
passou com precisão pela minha mente e eu já me acho — se o desejar — perante
as estantes que desejo consultar. Fiz o meu corpo espiritual — e esse é o único
que possuo! — viajar através do espaço com a rapidez do pensamento, e isso
eqüivale a ser instantâneo. E que fiz eu? Cobri o espaço intermediário
instantaneamente, mas êle ainda aí permanece com todas as coisas que contém,
apesar de eu não tomar conhecimento do tempo ou da passagem do tempo.
Quando completei a minha
visita à biblioteca encontrei na escadaria alguns amigos que sugeriram irmos
até à casa de um deles. Com essa agradável idéia em mente, decidimos passear
através dos jardins e bosques. A casa fica a certa distância, mas isso não importa, porque
nunca sofremos de fadiga física. Caminhamos juntos, conversando, felizes, e
depois de um certo tempo chegamos à casa do meu amigo, depois de percorrer o
caminho a pé. O tempo — em seu sentido espiritual — e o espaço são relativos,
como também o são no mundo terrestre. Mas a nossa concepção deles difere da
vossa — sendo que esta é restringida pelas considerações terrenas do amanhecer
e anoitecer, e pelos vários modos de transitar. Nós aqui temos o dia
interminável, e podemos caminhar vagarosamente a pé ou transportarmo-nos instantaneamente
pelo pensamento. No mundo espiritual o tempo pode parar. E podemos restaurar
nossa sensação de tempo descansando calmamente ou caminhando. Mas quando recebemos
os vossos pensamentos do mundo, dizendo-nos que estais prontos para vir a nós,
uma vez mais ficamos cientes da passagem do tempo terrestre.
E deveis admitir que
invariavelmente somos pontuais em nossos encontros com os seres terrestres!
V. Posição Geográfica
Qual é a posição geográfica
do mundo espiritual em relação ao mundo terrestre? Muita gente perguntou isso
em diferentes épocas — e eu me incluo entre esses muitos!
Isso leva a mais uma questão
referente à disposição de outros reinos além daqueles de que escrevi acima.
Já disse como, ao chegar ao
ponto crítico em que jazia em meu leito de morte, senti por fim um desejo
ardente de me erguer e, ao ceder a esse desejo fi-lo facilmente e com sucesso.
Nesse caso particular a linha de demarcação era muito tênue entre a minha vida
terrena e o começo da espiritual, porque eu estava de pleno poder dos meus
sentidos, e consciente. A própria transição de um mundo para o outro era
perceptível. Mas posso resumir mais ainda, relembrando que houve um momento em
que as sensações físicas de minha ultima doença me deixaram subitamente, e em
lugar delas me envolvi numa deliciosa sensação de calma corporal e paz de
espírito. Senti vontade de respirar profundamente e o fiz. O impulso de
erguer-me do leito, e o desaparecimento de todas as sensações físicas, marcaram
o instante da morte física e o nascimento para a vida espiritual.
Mas quando isso se deu, eu
ainda estava em meu quarto na terra, e, portanto, parte pelo menos do mundo
espiritual teve de interpenetrar o mundo terrestre. Esta experiência vos dará
um ponto de partida para nossas explorações geográficas.
O evento seguinte da minha
transição, foi a chegada de meu bom amigo Edwin e o nosso encontro depois de um
bom número de anos. O encontro teve lugar aparentemente em meu quarto. Depois
de nos termos cumprimentado e proseado por algum tempo, Edwin propôs que
partíssemos do atual ambiente, que, nessas circunstâncias, era ligeiramente
tristonho. Pegou-me pelo braço, ordenou-me que fechasse os olhos, e senti-me
mover suavemente através do espaço. Não tive percepção clara da direção, apenas
senti que estava viajando, mas se era para baixo, para cima ou
horizontalmente, impossível dizer. Nossa velocidade aumentou e finalmente me
ordenaram que abrisse os olhos e achei-me diante do meu lar espiritual.
Desde aquele dia aprendi
muitas coisas, e uma das primeiras lições foi a arte de locomoção própria por
outros meios sem ser o andar. Há aqui
imensas distâncias a percorrer e às vezes precisamos cobri-las rapidamente, e
o fazemos pelo poder do pensamento que já descrevi. Mas o que mais me intrigou a princípio, foi
o fato de que quando me movia através do espaço, com maior velocidade do que o
andar, descobri que não tinha senso de direção, mas apenas de movimento. Se prefiria fechar os olhos enquanto viajava
com velocidade moderada, eu apenas não via a paisagem, ou o que quer que seja
que me rodeasse. Não se deve imaginar que é possível perder-se o caminho. Isso seria absurdo! A ausência do senso de direção não interfere
em absoluto com o nosso pensamento inicial de locomoção. Uma vez determinada a viagem para um certo
lugar, pomos nossos pensamentos em função e eles, por sua vez, põem nossos
corpos espirituais em
movimentos. Podia-se
quase dizer que não se precisa pensar! Já falei com outras pessoas a
esse respeito e comparamos nossas notas, o que é comum logo que se chega aqui. Descobri que é normal a todos essa ausência
de percepção direcional quando nos movemos rapidamente. É evidente que quando
viajamos instantaneamente, não há tempo para se observar qualquer objeto.
Notemos que dar uma precisa
localização ao mundo espiritual em relação ao terreno é muito difícil. Na
verdade, duvido que algum recém-chegado aqui tenha arriscado adivinhar sua
posição geográfica. Mas há centenas de pessoas que nem se preocupam com tal
coisa. Quebraram todos os liames com o mundo terreno e sabem apenas que estão
vivos espiritualmente, mas quanto à posição em que se acham no universo, nem se
dão ao trabalho de imaginar. Mas nosso caso é diferente. Eu estou em ativa
comunicação com a terra, e creio que seria de interesse tentar dar uma idéia
exata onde estão situadas as terras espirituais.
O mundo espiritual está
dividido em esferas ou reinos. Essas duas palavras passaram a ser correntes
entre a maioria daqueles que na terra conhecem e praticam a comunicação com o
nosso mundo. Ao falar-vos assim, usei as palavras acima, suficientes para o
nosso fim.
A essas esferas foram dados números, por alguns estudantes, e vão desde o primeiro, que é o mais baixo, até o
sétimo, que é o mais alto. Ê costume entre nós seguir este
sistema de numeração. A idéia, segundo me disseram, teve
origem aqui entre nós, e é um método conveniente de dar
informações
de nossa posição na escada da evolução espiritual.
As esferas do mundo do espírito estão colocadas numa
série de zonas formando um número de círculos concêntricos
à volta da terra. Esses círculos alcançam o espaço infinito e estão invislvelmente ligados com o mundo terrestre na sua
evolução menor sobre seu eixo, e é claro, em maior revolução
à volta do sol. O sol não tem qualquer influência sobre o mundo espiritual. Não tomamos conhecimento dele, visto
que é puramente material.
Um exemplo de círculos concêntricos nos é dado quando
nos dizem que um visitante de uma esfera mais elevada vai descer a nós. Ele está relativamente acima de nós, tanto
espiritual
como espacialmente.
Os reinos inferiores da escuridão estão situados perto da terra, e penetram na sua parte mais baixa. Foi através
desta que passei com Edwin quando êle me veio buscar para o meu lar espiritual, e foi por essa razão que me recomendou
mantivesse
os olhos fechados até que me ordenasse abri-los.
Eu estava suficientemente alerta — até mesmo demais, porque
estava plenamente consciente — ou teria visto algo dos horrores que a terra lançou a essas zonas escuras.
Sendo o mundo espiritual constituído de círculos concêntricos, e com a terra aproximadamente no centro, as
esferas são subdivididas lateralmente para se corresponderem largamente com as várias nações da terra, cada subdivisão estando situada imediatamente sobre sua nação irmã.
Quando se considera a enorme variedade de temperamentos
nacionais
e características distribuídas através do plano terrestre, não é de surpreender que os povos de cada nação
desejem gravitar para aqueles de sua própria espécie no mundo espiritual; a escolha
individual, é claro, é livre e B
aberta
para todas as almas: elas podem viver em qualquer
parte que lhes agrade de seu próprio reino. Não há fronteiras 1
territoriais físicas aqui
para separar as nações. Os povos fazem
suas próprias fronteiras invisíveis com temperamentos e cos-
tumes, mas os membros de todas as nações da terra têm
liberdade de se misturar no mundo espiritual e de gozar i
relações sociais irrestritas. A questão da linguagem não oferece
dificuldade porque não somos obrigados a falar alto. Podemos
transmitir nossos pensamentos uns aos outros com a
inteira
certeza
de que eles serão recebidos pela pessoa a quem nos 1
dirigimos
mentalmente. Assim, as línguas não
constituem
barreiras. 1
Cada
uma das subdivisões nacionais do mundo espiritual
leva as características de sua réplica terrena. Mas isso é
natural. Meu próprio lar está situado em cercanias que me 1
leva as características de sua réplica terrena. Mas isso é
natural. Meu próprio lar está situado em cercanias que me 1
são
familiares e que são uma cópia de meu lar terreno na §
aparência geral.
As redondezas não são uma réplica exata das da terra, mas o que quero
dizer é que meu lar espiritual está
localizado no tipo de campo com o qual eu e meus amigos
estamos
acostumados. j
Esta
divisão das nações se estende apenas a um certo
número de reinos.
Além deles a nacionalidade cessa de
existir. Lá retemos apenas nossas diferenças
exteriores e visíveis, tais como a côr da pele, seja ela amarela, negra ou
branca. Deixamos de ser cônscios da nacionalidade como somos na terra. Nossos lares não têm mais uma aparência
nacional definida, mas partilham do espírito puro.
■ Deveis recordar-vos como, ao construir o anexo da
biblio-
teca, eu vos apresentei o governante do reino. Cada
reino tem tal personagem, apesar do termo governante não ser apropriado, visto
que dá azo a interpretações erradas.
Seria
melhor e muito mais exato dizer que êle
preside o reino.
Apesar de cada reino ter seu governante, todos
eles pertencem a um plano mais elevado do que aquele que presidem.
Esta posição requer altos
atributos por parte de seu ocupante, e ela somente pode ser ocupada por aqueles
que já estão há muito tempo no mundo espiritual. Grande espiritualidade apenas
não é suficiente, se o fosse haveria muitas almas que poderiam ocupar tal cargo
com distinção. Mas um governante precisa possuir muito conhecimento e experiência
da humanidade e além disso deve ser capaz sempre de exercer sábia discrição ao
lidar com os variados assuntos que se lhe deparam. E toda essa experiência e
sabedoria, compreensão e simpatia estão sempre à disposição dos habitantes de
seu reino, ao mesmo tempo que a bondade e infinita paciência estão sempre em evidência. Esta
grande alma é sempre acessível a quem .quer que o deseje consultar ou lhe traga
seus problemas para solução.
Temos os nossos problemas,
como vós na terra, apesar de nossos problemas serem muito diferentes dos
vossos. Os nossos nunca são daquela natureza aflitiva e preocupante dos da
terra. Falando por mim mesmo, meu primeiro problema, logo depois da transição, foi como
acertar o que eu considerava um erro que fizera quando encarnado. Havia
escrito um livro em que tratava a verdade da comunicação com o mundo terreno
com grande injustiça. Quando falei com Edwin a esse respeito, ele — sem eu o
saber — havia procurado o conselho do reinante, e o resultado foi que outra
grande alma viera discutir o assunto comigo, e oferecer-me ajuda e conselhos
nessa dificuldade. Foi o conhecimento em primeira instância dos meus negócios
pelo governante que eventualmente trouxe um final feliz à minha confusão.
Pode-se ver por isso que o
conhecimento do governante em relação ao povo que preside é vasto. Para que não
se julgue que é humanamente impossível a uma mente possuir conhecimento dos
afazeres de tanta gente que deve haver em um reino, basta compreender que a
mente humana é limitada em seu raio de ação pelo cérebro físico. No mundo
espiritual não o temos a prejudicar-nos, e nossas mentes são inteira e
completamente capazes de reter todo conhecimento que nos vem. Não esquecemos as
coisas que se aprendem no mundo espiritual, sejam elas lições espirituais ou
simples fatos. Mas leva tempo, como se costuma dizer, a aprender, e é por isso
que os governantes passam muitos e muitos milhares de anos no mundo espiritual,
antes de serem colocados à testa do governo. Porque os governantes têm que guiar
e dirigir os povos, e ajudá-los em seu trabalho, e unir-se a eles nas horas de
recreação, ser-lhes uma inspiração e agir sob todos os sentidos como um
devotado pai. Não há infelicidade nestes planos, pela simples razão de que
seria impossível, com tais almas aqui prontas a afastar todos os percalços.
Cada esfera é completamente
invisível a todos os habitantes das suas inferiores, e isso pelo menos é que
forma os nossos limites.
Quando viajamos .para os
planos inferiores vemos o terreno gradualmente degenerar. Mas ao
aproximarmo-nos dos reinos mais elevados acontece o oposto: vê-se a terra à
nossa volta tornar-se mais etérea, mais pura, e isso forma uma barreira natural
para aqueles entre nós que ainda não progrediram suficientemente para se
tornarem habitantes desse reino.
Ora, eu já contei como os
reinos se colocam, uns acima dos outros. Como, então, se passa de um para o
outro, seja acima ou abaixo? Deve haver algum ou alguns pontos em cada reino
onde exista uma sensível inclinação para um, e um distinto declive para o
outro. Apesar de parecer simples, é esse exatamente o caso.
Não é difícil imaginar talvez
uma gradual descida a regiões menos salubres. Podemos lembrar nossas
experiências terrenas e certos lugares rochosos que visitamos, de piso
traiçoeiro, conduzindo a escuras cavernas, frias, úmidas, e pouco convidativas,
onde podíamos imaginar toda espécie de coisas horríveis nos aguardando na
escuridão. Podemos então lembrar que acima de nós, apesar de longe da vista,
brilha o sol, espalhando calor e luz sobre a terra, enquanto que nós
parecemos estar completamente em outro mundo. Poderemos vaguear por
essas grutas subterrâneas até nos perdermos da terra acima de nós. Mas sabemos
que há uma saída pelo menos, se a pudermos achar e perseverarmos em nossos esforços
para escalar o perigoso caminho.
Se começamos nossa vida
espiritual nos mais baixos recessos deste quadro terreno das cavernas
subterrâneas, podemos ver como cada um dos reinos é ligado com o reino
imediatamente acima dele.
A analogia terrena é,
logicamente, muito elementar, mas o processo e o princípio são os mesmos. No
espírito, a transição de um reino para o outro é literal — tão literal quanto o
passar de uma caverna escura para o sol lá em cima, tão literal quanto caminhar
de um aposento para outro em sua casa.
Para passar do reino onde
estou ao próximo mais elevado, me acharei andando suavemente ao longo de um
chão em aclive. Ao
adiantar-me verei e sentirei todos os inconfundíveis sinais de um reino de
maior refinamento espiritual. Chegará o ponto em que não poderei avançar mais
sem desconforto espiritual. Se cometesse a tolice de tentar desafiar essa lei,
descobriria no fim que não poderia dar nem mais um passo sem passar por
sensações que não me seria possível suportar. Nada poderia ver à minha frente,
somente atrás. Mas estejamos nós num desses limites ou bem dentro dos nossos
limites, há um certo trecho na ponte entre os reinos onde o reino mais alto se
torna invisível a olhos menos espirituais. Assim como certos raios de luz são
invisíveis a olhos terrenos, e certos sons e notas musicais são inaudíveis a
ouvidos mortais, assim também os reinos mais elevados são invisíveis aos
habitantes inferiores.
E a razão é que cada reino
possui uma vibração de maior intensidade do que o seu inferior, e é portanto
invisível e inaudível aos que vivem abaixo.
Vemos assim que outra lei
natural opera para o nosso próprio bem.
Há uma belíssima e brilhante
esfera no mundo espiritual, a que foi dado o título pitoresco de Verão Eterno.
As regiões escuras podem ser
chamadas de Inverno
Eterno, a
não ser pelo fato de que o inverno terreno possui uma grandiosidade toda sua;
enquanto que tudo é abominável nas camadas inferiores do mundo espiritual.
Até aqui mencionei apenas de
leve essas regiões, levando--vos apenas ao seu limiar; mas com Edwin e Rute já
cheguei a penetrar profundamente nelas.
Não é assunto agradável, mas
me foi aconselhado que se devem apresentar os fatos não com intenção de
assustar as pessoas — não é esse o método nem o alvo do mundo espiritual — mas
para mostrar que tais lugares existem unicamente pela virtude de uma lei
inexorável, a lei da causa e efeito, a colheita espiritual que procede da
sementeira terrena; para mostrar que escapar à justiça no mundo é o mesmo que
achar justiça estrita e impiedosa no mundo espiritual.
Ao caminharmos lentamente de
nossos próprios reinos para aquelas terras sombrias, acharemos uma gradual deterioração
surgir na paisagem. As flores escasseiam e são subnutridas, dando a aparência
de que lutam pela existência. A grama é ressequida e amarela até que finalmente
desaparece por completo para ser substituída por áridas rochas. A luz diminui
continuamente até ficarmos em terras cinzentas e vem então a escuridão —
profunda, negra e impenetrável; mas impenetrável apenas para os que são
espiritualmente cegos. Visitantes de planos superiores podem ver nessa
obs-curidade sem serem vistos pelos habitantes, a não ser que seja vitalmente
necessário revelar sua presença.
Nossas visitas nos levaram ao
que creio ser o mais ínfimo plano da existência humana.
Começamos a descida passando
através de um cinturão de névoa no trecho onde o solo se tornou árido e
duro. A
L47
luz diminuiu rapidamente e as moradias eram cada vez
mais raras, e não se via vivalma. Grandes trechos de rochas se estendiam à
nossa frente e a estrada que seguíamos era rude e cheia de precipícios. Agora a escuridão já nos
envolvia, mas podíamos ver ainda nosso ambiente perfeitamente. É uma
experiência bem estranha esta de enxergar no escuro, e quando se passa por ela
pela primeira vez sentimos um ar de irrealidade, mas na verdade é bem real.
Ao descermos pelas rochas eu
podia sentir e ver o limo horrível que cobria a sua superfície, de côr verde e
malcheirosa. Não havia, é claro, perigo de cairmos. Isso seria impossível a
qualquer dos habitantes desses lugares.
Depois de viajarmos sempre
para baixo pelo que me pareceu um longo tempo — calculo que deve ter sido uma
milha pelas medidas terrestres — achamo-nos numa cratera gigantesca de muitas
milhas de circunferência, cujos lados ameaçadores e traiçoeiros se erguiam bem
alto acima de nós.
Toda a área era pontilhada de
imensas rochas, como se alguma enorme avalanche ou cataclismo as tivesse
arrancado da borda superior e atirado às profundezas, para lá se espalharem
formando cavernas e túneis.
Em nossa atual posição
estávamos bem acima desse mar de rochas e podíamos ver surgir delas uma nuvem
sombria de vapor venenoso, como um vulcão a ponto de entrar em erupção. Não
estivéssemos nós bem protegidos e sua emanação nos seria sufocante e mortal.
Como estávamos, sen-tíamo-nos perfeitamente a salvo, mas podíamos perceber com
nossas faculdades intuitivas o grau de malignidade do ambiente. Vagamente,
pudemos ver através do miasma, o que parecia serem seres humanos, rastejando
como animais pela superfície das rochas. Não podíamos crer fossem pessoas, mas
Edwin nos assegurou que um dia já foram homens na terra, andando, respirando e
caminhando como nós. | Mas viveram uma vida de impureza espiritual e pela morte
física, haviam passado à sua verdadeira habitação, de acordo com seu estado de
espírito.
O vapor ascendente parecia envolvê-los numa mortalha
que os escondia um pouco aos nossos olhos.
Como eu havia expressado o desejo de ser levado por
Edwin aonde quer que êle achasse de bom proveito para os meus fins, e como eu sabia que seria capaz de suportar
quaisquer
visões, aproximamo-nos de algumas dessas criaturas de horror. Rute nos acompanhava e, não é necessário
dizê-lo, nunca lhe seria permitido fazê-lo se não fosse do
conhecimento
geral que ela estava apta a enfrentar os aspectos
mais horrendos com coragem e autodomínio. Na verdade,
fiquei admirado da sua atitude e até reconhecido por ter sua
companhia.
Aproximamo-nos de uma das formas sub-humanas que
jazia sobre umas das rochas. O que restava de suas roupas
podia ser facilmente dispensado, visto que consistia apenas
de imundos trapos, através de cujos rasgões se via a carne
com aparência inanimada. Os membros eram tão magros
que se esperava que a pele se rasgasse sobre os ossos salientes.
Mãos em formato de garras de aves de rapina mostravam unhas
incrivelmente crescidas. A face desse monstro nem era humana, tão deformada e horrível. Os olhos eram pequenos e
penetrantes,
mas a boca era, ao contrário, enorme e repugnante,
com grossos lábios que salientavam o queixo prognático, e mal escondiam dentes quase caninos.
Fitamos longamente esse destroço humano, e imaginamos
que ações terrenas o haviam reduzido a esse estado de dege-neração.
.. Edwin, já experimentado em tais espetáculos, nos disse
que com o tempo ganharíamos prática em nossos trabalhos
e poderíamos ler nos rostos e formas dessas criaturas o que as havia transformado em frangalhos. Não haveria necessidade de abordá-las para decifrar a história de sua vida porque ela estava gravada em seus semblantes. A aparência
também nos avisaria se necessitavam auxílio ou se estavam
satisfeitos
com o presente estado de coisas.
Continua
O objeto que agora
contemplávamos, disse Edwin, não valia a nossa simpatia, pois que estava ainda
imerso em sua iniqüidade, e obviamente não mostrava o menor sinal de
arrependimento por sua vida anterior. Estava muito eston-teado com a perda de
sua energia física para compreender o que havia acontecido. Suas feições
mostravam que, dada a oportunidade, êle continuaria as práticas infames que
aqui o haviam lançado. Que já estava há várias centenas de anos no mundo
espiritual, podia-se ver pelos restos esfarrapados de sua roupa que indicava
pertencer a eras passadas. Cada crime cometido contra outros tinha revertido
contra êle, e enfrentava agora, como já o vinha fazendo há centenas de anos, a
recordação indelével de todos os males que perpetrara contra seus semelhantes.
Quando na terra, usara de falsos argumentos para administrar a justiça, mas
essa nada mais fora que uma paródia, e agora é que êle estava vendo o que é de
fato a verdadeira justiça. Não só encarava continuamente a sua vida passada de
maldades, mas as feições de suas inúmeras vítimas estavam sempre perante seus
olhos. Nunca
poderá esquecer; terá sempre que recordar. E sua condição é agravada
pela raiva de se sentir como animal numa jaula.
Nosso grupo de três não
conseguia sentir o menor vestígio de pena por esse monstro desumano. Êle
recebia sua paga, nada mais nada menos. Êle se julgara, se condenara, e agora sofria o castigo
que merecia e que quisera. Aqui não havia o caso de um Deus vingador infringindo
castigo sobre um pecador. Este, ali estava de fato, mas era a manifestação
visível das causas e efeitos. A causa era sua vida terrena e o efeito, sua vida
espiritual.
Tivéssemos vislumbrado o
menor raio de luz — aquela luz verdadeira que se vê — que é um sinal
inconfundível de vibração espiritual interna, poderíamos ter feito algo por
êle. Mas tal como era, nada podíamos fazer a não ser esperar que um dia esse
ser horrível pedisse por auxílio com sinceridade. Seu chamado seria então atendido sem falta.
Afastamo-nos e Edwin nos conduziu através de uma
abertura para terreno mais ou menos nivelado.
Pudemos ver de repente que essa parte da cratera era mais densamente
habitada — se é que se podia usar o termo habitantes para aquela espécie de
gente. Os habitantes estavam ocupados
de diversas maneiras: alguns
sentavam-se sobre pequenas pedras e
pareciam conspirar, mas que diabólicos planos, era impossível dizer. Outros, em pequenos grupos, infringiam
inomináveis torturas aos seres mais fracos da sua espécie, que de alguma
maneira lhes havia caído nas mãos. Seus
gritos eram insuportáveis, e por isso fechamos os ouvidos a eles. Seus membros incrivelmente deformados, e em
alguns casos os rostos e cabeças, haviam retrocedido a meras caricaturas de
configurações humanas. Outros eram
vistos estendidos no solo como se exaustos de suportar torturas, ou de as
infringir, antes de reunir forças para recomeçar suas barbaridades.
Intercaladas por essa enorme
área horrível, havia lagoas de uma espécie de líquido, que parecia grosso e
viscoso, e incrivelmente imundo, como de fato era. Edwin nos contou que a
fedentina que emanava dos charcos estava de acordo com tudo o mais aqui e
aconselhou-nos a não prová-las, e seguimos o seu conselho à risca.
Ficamos horrorizados de ver
sinais de vida em alguns dos charcos e adivinhamos sem êle nos contar, que
freqüentemente os habitantes escorregavam e ali caíam. Não podem se afogar
porque são indestrutíveis como nós.
Testemunhamos toda espécie de
bestialidades e baixezas, barbaridades e crueldades, como não podíamos
suportar. Não é minha intenção nem desejo dar uma descrição detalhada do que vimos.
Não tínhamos, de fato, alcançado a profundeza do poço, mas já lhes dei
suficientes pormenores do que se encontra no reino das sombras.
E agora perguntais: como
acontece tudo isso? Como se permite que tais lugares existam? Talvez o assunto
se esclareça quando eu disser que cada alma que vive nesses
lugares horríveis, já viveu na terra. A idéia é
horrível mas a verdade não se pode alterar. Não pensem que exagerei minha breve
descrição dessas regiões, pois asseguro que não o fiz. Na verdade, nem carreguei
nas tintas. Essas regiões existem em virtude das mesmas leis que governam os
estados de beleza e felicidade.
A beleza do mundo espiritual
é externa e visível expressão do progresso espiritual e seus habitantes.
Quando tivermos ganho o direito de possuir coisas belas, elas nos serão dadas
através do poder criador. Assim podemos dizer que nós criamos a nós mesmos.
Beleza de mente e ação, nada podem produzir a não ser beleza, e daí termos
flores de beleza celestial, árvores, rios, e mares de pura e cristalina água,
magníficos prédios para a alegria e gozo de todos nós, e nossos lares
individuais onde nos podemos rodear com ainda mais beleza, e gozar as delícias
do feliz convívio com nossos iguais.
Mas a fealdade da mente e da
ação nada pode produzir a não ser fealdade. As sementes de horror semeadas no
plano terrestre inevitavelmente conduzirão à colheita de horrores no mundo
espiritual. Esses reinos escuros foram construídos pelas pessoas da terra,
assim como elas construíram os reinos de beleza.
Nenhuma alma é forçada a
entrar nos reinos escuros ou nos da beleza. Somos um grupo unido e extremamente
feliz e vivemos juntos em completa harmonia. Ninguém poderia, portanto, se
sentir deslocado.
Os habitantes dos reinos de
escuridão, se
condenaram, por
suas vidas na terra, ao estado em que agora se acham. É a lei inevitável da
causa e efeito, tão certo como a noite seguir-se ao dia na terra. De que
adianta implorar piedade? O mundo do espírito é um mundo de estrita justiça,
uma justiça com que não se pode brincar e de que todos nós nos servimos.
Justiça inflexível e piedade não se podem misturar. Por mais sincera e
inteiramente que possamos perdoar o mal que nos foi feito, a piedade não nos é
dispensada
no mundo espiritual. Cada má ação deve ser debitada à pessoa que a cometeu. É
um assunto pessoal que deve ser resolvido sozinho, assim como a morte do corpo
físico deve ser enfrentada a sós. Ninguém o pode fazer por nós, mas cada alma
que habita nestas terríveis regiões escuras tem dentro de si mesma o poder de se
elevar da sordidez até a luz. Precisa fazer esse esforço individual por si só;
precisa trabalhar pela própria redenção. Ninguém a substitui. Cada palmo do
caminho é arduamente ganho e não há piedade aguardando-a no fim, mas severa
justiça.
Mas a oportunidade dourada da
recuperação espiritual está pronta a esperá-la. Ela tem que mostrar sincero
desejo de se adiantar uma fração de polegada na direção do reino da luz que
está acima dela, e lá achará um sem-número de amigos desconhecidos, que a
auxiliarão a ganhar a herança a que tem direito, mas que na sua loucura jogou
fora.
Continua no próximo Bloco - VII Pessoal Espiritual
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