II. O Solo
Para se ter uma idéia
adequada do solo sobre o qual caminhamos, e no qual se erguem nossas casas e
edifícios, precisam-se varrer da mente todas as concepções mundanas. Em
primeiro lugar, não temos estradas como são conhecidas na terra. Temos largas
ruas em nossas cidades, mas não são pavimentadas com substância composta que
lhes dê dureza e durabilidade para suportar o movimento constante de tráfego.
Não temos trânsito, e nossas estradas são cobertas da mais espessa grama, tão
macia ao pisar como um canteiro de musgo fresco. É nesse tapete que caminhamos.
A grama nunca vai além do estabelecido para uma boa ornamentação e no entanto
ela continua viva. Mantém-se-sempre no mesmo nível prático, perfeita para
caminhar e perfeita na aparência.
Nos lugares em que caminhos
menores são necessários, e onde a grama não seria adequada, vê-se então a
pavimentação costumeira do mundo terreno, mas de material diferente. Pode-se
dizer que é de pedra, sem, porém, a característica cor cinza opaca. Parece
muito com alabastro, de que a maioria dos prédios são construídos. As cores
variam, mas todas possuem delicados tons pastel.
Como sobre a grama, é muito
agradável andar sobre a pedra, embora, naturalmente, não seja esta tão macia.
Mas existe aí certa propriedade, certa elasticidade, se assim podemos dizer,
algo como a consistência mole de algumas madeiras terrenas utilizadas para os
assoalhos. Esta é a única maneira de dar uma idéia sobre a diferença entre a
pedra terrena e a pedra espiritual.
Não há, é claro, qualquer
descoloração feia na superfície dos calçamentos. Conservam sempre sua beleza
inicial. Muitas vezes os pavimentos revelam um emaranhado de magníficos
desenhos formados pelo uso de diferentes materiais coloridos e que combinam
harmoniosamente com o ambiente.
Ao aproximarmo-nos dos
limites dos reinos superiores, o chão se torna mais translúcido e parece perder
a aparência sólida, apesar de continuar a ser sólido ainda. Mas ao aproximarmo-nos
dos reinos inferiores, os pavimentos tornam-se de aparência pesada, começam a
perder a antiga cor até ficarem opacos e plúmbeos, e parecem-nos de extrema solidez,
quase como o granito terreno.
À volta de nossas casas temos
gramados e árvores entremeados de caminhos de pedra, semelhante à que acabei
de descrever. Terra nua, porém, vê-se muito pouco ou nenhuma.
Na verdade não me lembro de ter visto algum terreno baldio,
porque aqui não há desleixo, indiferença ou indolência.
Quando ganhamos o direito de possuir nosso lar espiritual,
passamos a ter também dentro de nós o constante desejo
de manter
e melhorar sua beleza. E isso não é muito difícil
de realizar
visto que a beleza responde e floresce de acordo com a
apreciação
que se faz dela. Quanto mais atenção e reconhecimento lhe dermos maior será sua resposta; a beleza espiritual
não é abstrata mas uma força real e viva.
A vista de meu lar é de campos verdejantes, casas encantadoras situadas entre aprazíveis bosques e jardins, e com uma vista longínqua da cidade. Mas em parte alguma se vêem terras áridas ou nuas. Cada polegada que se vê é cuidada, de maneira que a paisagem toda é um deslumbramento de cor, desde o brilhante verde-esmeralda da grama, até as
multicoloridas flores dos jardins, coroando todo o azul celestial acima de nós.
Perguntamo-nos de que é composto o solo no qual as
flores e árvores estão crescendo — é alguma espécie diferente
de terra? O solo existe, é claro, mas não tem o mesmo
conteúdo mineral que constitui o solo terreno, porque é
preciso compreender que a vida aqui deriva diretamente da
Grande Fonte. O solo varia na côr e densidade em diferentes
localidades
da mesma maneira que na terra. Não a investiguei pormenorizadamente, mas posso entretanto dar uma
pequena idéia de sua aparência e características. Em primeiro lugar, ela é perfeitamente seca — não pude achar nenhum traço de umidade. Descobri que escorre por entre os dedos da mesma maneira que a areia. Sua côr varia mas
nunca se aproxima da pesada côr escura do solo terreno.
Em alguns lugares é de formação granular mais fina, enquanto noutros é mais grossa — isto é, relativamente.
Uma das propriedades inesperadas deste solo é o fato
que, embora possa correr macia e livremente pela mão, quando
não tocado permanece inteiramente ligado, suportando tão
firmemente
quanto a terra comum tudo quanto é cultivado
nela.
A côr da terra é governada pela côr da vida
botânica que nutre. Mas aqui também não há especial significado, nem profunda
razão simbólica para este estado de coisas. Simplesmente a côr do solo é
complemento da côr das flores e árvores, e o resultado é, como não podia deixar
de ser, de inspiradora harmonia.
Certamente que este mundo do
espírito não é constituído de uma série de profundos e complexos mistérios,
explicáveis apenas a alguns. Há mistérios, sim, como os há no plano terrestre.
E assim como lá existem grandes cérebros que podem solver esses problemas, aqui
também os há, e muito maiores, que podem dar explicações, desde que nossos intelectos
estejam prontos para recebê-las e compreendê-las.
Mas muita gente na terra
acredita sinceramente que nós no espírito vivemos em contínuo estado de
fervorosa emoção religiosa, e que cada forma e grau de atividade pessoal, cada
átomo de que é composto o grande mundo espiritual, deve ter algum significado
devocional e piedoso. Tal idéia é tola e muito aquém da verdade. Procure
através do mundo terreno: é capaz, de encontrar idéias assim tão absurdas
ligadas à multiplicidade da vida que jaz dentro dele? Não há significado
religioso num maravilhoso pôr do sol. Por que haveriam nossas flores
espirituais de ter qualquer outra razão de existir senão a que eu já dei, isto
é, um magnífico dom do nosso Pai, para nosso maior gozo e felicidade?
Há ainda muitos outros na
terra que solenemente afirmam, como uma cláusula de fé, que o paraíso, como o chamam,
será um contínuo cantar de hinos e cânticos espirituais. Nada seria mais
fantástico. O mundo espiritual é um mundo de atividade, não de indolência, um
mundo de utilidade e não um mundo inútil. Há sempre uma razão sã e um fim para
tudo. Nem a razão nem o fim podem ser visíveis a todos desde o começo, mas isso
não altera a verdade.
O tédio não tem lugar aqui.
Miríades de tarefas a serem executadas — e miríades de almas para executá-las —
mas há sempre lugar para mais uma, e será sempre assim. Não vivemos nós num
inundo ilimitado?
Não vivemos num país que tem
aparência de um Eterno Domingo! Na verdade, Domingo não tem lugar nem razão de
ser neste plano de coisas. Não temos necessidade de sermos forçados a nos
lembrar do Grande Pai do Universo, dedicando-lhe um dia especial e esquecendo-o
o resto da semana. Não temos semana. Entre nós é dia eterno, e nossas mentes
estão sempre inteiramente cônscias d'Êle, e podemos ver Sua mão e Sua mente em
tudo que nos rodeia.
Desviei-me um pouco do que me
propunha contar-lhes mas é imperativo dar ênfase a
certos aspectos da minha narrativa, porque muitas almas na terra ficam chocadas
ao saber que o mundo espiritual é um mundo sólido e substancial, com pessoas
reais e vivas. Eles acham que é material demais, e tanto como o mundo terreno;
na verdade está distante dele apenas um passo, com sua paisagem e sol
espirituais, suas casas e edifícios, rios e lagos, e habitados por gente
sensível, por seres inteligentes!
Esta não é a terra do descanso eterno. Há descanso bastante para
aqueles que dele necessitam, mas quando o repouso lhes devolveu o vigor e
saúde, volta-lhes o desejo de realizar algo de sensato e útil, e não faltam as
oportunidades.
Mas voltemos às
características do solo espiritual.
Ao aproximarmo-nos das
regiões escuras, o solo, como descrevi, perde sua qualidade granular e sua côr.
Torna-se espesso, pesado e úmido, até que finalmente dá lugar inteiramente a
pedras e depois a rochas. A pouca grama que existe é amarela e chamuscada.
Ao chegarmos perto dos reinos
mais elevados as partículas do solo tornam-se mais finas, as cores mais
delicadas, com aspecto translúcido. Maior grau de maciez é imediatamente
observado debaixo de nossos pés, assim que nos aproximamos dos umbrais desses
reinos.
Observada de perto, a terra revela qualidades de uma
quase jóia, tanto em côr como em forma. As
partículas
nunca são mal formadas, mas observam um plano
geométrico definido. Rute e eu mergulhamos nossas mãos no chão deixando que a
terra escorresse por entre nossos dedos, em suave corrente. Ao cair produzia
sons musicais dos mais doces, como se estivesse caindo sobre algum minúsculo
instrumento musical, fazendo as teclas
produzirem ondas sonoras.
Um ouvido apurado poderá
captar muitos sons musicais nas praias terrestres, rio avançar e retroceder das
ondas sobre a areia, mas não é necessário ouvido aguçado para ouvir essas ricas
harmonias, f quando é o solo espiritual que as produz.
Os sons emitidos desta
maneira variam tanto quanto as cores e os elementos que os produzem. Estão lá
para serem ouvidos e podem ser produzidos por aquela simples ação que descrevi.
Como se realiza isso, direis
vós?
Côr e som — isto é som
musical — são termos inter--relacionados. Produzir côr é produzir também som
musical. Executar um instrumento musical, ou cantar, é criar côr, e cada
criação é governada e limitada pela habilidade e proficiência do
instrumentista ou cantor. Uma virtuose
quando
toca seu instrumento está criando sobre si mesmo os mais lindos
pensamentos-formas musicais, que variam em cores e matizes de sombra, de acordo
com a música executada. Um cantor pode criar semelhante efeito em relação à pureza da voz e à qualidade
da música. A forma-pensamento, por conseguinte, não é muito ampla. É uma forma
em miniatura. Entretanto, uma grande orquestra ou um coral, podem construir
uma imensa forma, governada, certamente, pela mesma lei.
A forma-pensamento musical
não produz, em si, nenhum som. É o resultado de sons, e é, por assim dizer, uma
unidade independente. Embora a música possa produzir a côr, e a côr possa
produzir a música, cada uma delas está restringida a uma forma resultante. Não
há uma alternância,
constante, interminável ou que diminua gradualmente,
entre côr e som.
Não se deve imaginar que com
a vasta galáxia de cores, das milhares de fontes no mundo espiritual, nossos
ouvidos sejam constantemente assaltados por sons musicais; que vivamos, de
fato, em uma eternidade de música soando e ressoando sem parar. Há poucas
mentes — se as houver — que pudessem suportar tal pletora contínua de som por mais belo que fosse.
Suspiraríamos por paz e sossego, nosso céu deixaria de ser céu. Não, a música
existe, mas é inteiramente da nossa vontade ouvi-la ou não. Podemos nos isolar
completamente de todo som, ou nos abrir inteiramente aos sons, u ainda, ouvir
apenas aquilo que nos apraz.
Há ocasiões na terra em que
podemos ouvir acordes distantes de música sem sermos incomodados por eles; pelo
contrário, achamo-los agradáveis e calmantes. Assim também é aqui no espírito.
Mas há uma grande diferença entre os nossos dois mundos — nossas
potencialidades para a música elevada são muito maiores do que a daqueles sobre
a terra. A mente de uma pessoa espiritual cujo amor à música é profundo,
ouvi-la-á naturalmente mais do que uma pessoa que não a aprecia.
Voltemos à experiência que eu
e Rute fizemos com o olo. Ambos temos grande prazer em ouvir música, ela mais
ainda do que eu, visto que foi educada para a arte musical e tem portanto um
poder mais profundo de apreciar e compreender a técnica musical. Como já
disse, assim que o solo deixa nossos dedos podem-se ouvir encantadores sons
emitidos por êle. Outra pessoa realizando a mesma ação, mas sem possuir a mesma
susceptibilidade musical, mal ouviria qualquer som. As flores, tudo que
cresce, respondem imediatamente àqueles que as amam e apreciam. A música que
eles emitem existe precisamente sob a mesma lei.
Seria terrível imaginar que o
mundo espiritual fosse um imenso pandemônio musical, continuando
incessantemente,
inevitavelmente, e em todas as
ocasiões, noras e lugares possíveis. Não! - o mundo espiritual é organizado em
linhas melhores do que essas.
Há pessoas na terra que têm a habilidade de se isolar
mentalmente de seu ambiente de tal maneira que podem se abstrair de todos os sons,
por mais intensos. Este estado de alheamento
completo serve de analogia — um pouco elementar — do efeito que podemos produzir
em nós mesmos em espírito, com a exclusão de sons que não desejamos ouvir. Ao contrário
do mundo terreno, não precisamos usar de grande força de concentração. É apenas outro processo de pensar, assim como
usamos nossas mentes para nos locomovermos, e depois de um breve estágio em espírito,
cedo podemos realizar essas variadas funções mentais sem qualquer esforço
aparente. São parte de nossa própria natureza
e estamos apenas aplicando, sem as limitações e restrições da terra, métodos mentais
simples de aplicar. Na terra nossos corpos
físicos, num pesado mundo físico, impediam similares processos mentais de produzir
qualquer resultado físico. No mundo espiritual
somos livres, e essas ações mentais mostram um instantâneo e direto resultado, seja
para nos movermos com a rapidez do pensamento, seja para nos abstrairmos de
qualquer aspecto ou som que não desejamos experimentar.
Por outro lado, podemos — e o
fazemos — abrir nossas mentes e absorver os inúmeros sons maravilhosos
que se erguem à nossa volta. Podemos abrir nossas mentes — ou fechá-las ~ aos muitos
deleites que a natureza nos prodigaliza para nossa felicidade e contentamento. Eles
agem sobre a mente como tônico, mas não nos são impostos: apenas os tomamos se desejarmos.
Devemos ter em mente que as regiões espirituais são baseadas na lei e na ordem.
Mas a lei nunca é opressiva nem cansativa, porque a mesma lei e ordem
ajudam a prover as incontáveis belezas e maravilhas deste reino celestial.
III. Métodos de Construção
ao menos importantes, entre as características físicas
ao reino em que eu vivo, são os numerosos edifícios devotados ao processo de
aprendizagem e fomentação das artes conhe-cidas no plano terrestre. Estes
magníficos edifícios apresentam todos os sinais de eternidade. Os materiais de
que são construídos são imperecíveis. As superfícies de pedra são tão limpas e
frescas como no dia em que foram erguidas. Nada há para as poluir, nenhuma
atmosfera carregada de fumaça para corroê-las, nem ventos e chuvas para
desgastar as obras de decoração externa. Os materiais de que são feitos
pertencem ao mundo espiritual e portanto têm uma beleza que não é terrena.
Apesar de essas esplêndidas
mansões do saber terem toda a aparência de estabilidade, poderiam ser demolidas
se fossem consideradas dispensáveis, e isso já tem acontecido. Alguns edifícios
foram removidos e outros tomaram seu lugar.
O mundo espiritual não é
estático. É sempre vibrante de vida e movimento. Contemplem, por um momento, as
condições normais do mundo tererno, com as constantes mudanças que sempre
ocorrem — a gradual reconstrução de cidades, a alteração do campo. Algumas
dessas mudanças nem sempre foram consideradas melhoramentos. Contudo são feitas
e o processo é estimado como progresso. Que dizer então do mundo espiritual?
Não haverá mudanças no mundo em que vivo?
Certamente que sim!
Não "evoluímos com os tempos" propriamente —
para usar uma frase da terra — porque estamos sempre muito adiante dos tempos. E precisamos
estar, para
fazer face às pesadas exigências impostas a nós pelo mundo terreno.
Tomemos um exemplo específico
— apenas um.
Quando o mundo terreno
progride em civilização os métodos de guerra tornam-se mais e mais devastadores e completos. Em lugar de
centenas de mortos em batalhas
como nos velhos tempos, o morticínio agora é contado em
centenas de milhares. Cada uma dessas almas acabou com
a sua vida terrena, — mas não com as conseqüências dela
— e em muitos casos o mundo também acabou com elas.
O indivíduo pode sobreviver como uma memória para aqueles
que acabou de deixar; sua presença física foi-se. Mas sua
presença espiritual permanece inalterável entre nós. O mundo
terreno passou-o para nós, muitas vezes sem se importar com
o que lhe aconteceu. Êle deixará para traz aqueles que amou
e que o amaram, mas o mundo terreno nada pode fazer por
êle — assim pensam — nem por aqueles que o pranteiam.
Nós, no mundo espiritual, é que teremos que cuidar dessa
alma. |
Entre nós não podemos alijar
essa responsabilidade para outros ombros, pois aqui encaramos a estrita
realidade.
O mundo em sua ignorância
cega, atira centenas de milhares de almas ao nosso reino, mas aqueles que
habitam as regiões superiores estão a par, bem antes de acontecer, do que
ocorre no plano terrestre, e um fiat é ordenado aos mais próximos reinos da terra a fim de
que se preparem para o que vai acontecer.
Essas calamidades do mundo
requerem a construção de mais e mais mansões de repouso no mundo espiritual.
Essa é a ocasião —talvez a maior — para as mudanças que estão constantemente
ocorrendo aqui. Mas há outras ainda, e mais agradáveis.
Às vezes um grande número de
almas expressa o desejo de ampliar uma dessas mansões do aprendizado. Não há
nenhuma dificuldade em aceder a tal desejo, visto que não é egoísta, visto que
ela estará lá para todos usarem e gozarem.
Em resposta a uma questão que
propus a Edwin, ele me contou que uma nova ala deveria ser acrescentada à
grande biblioteca, onde passei tantos momentos
agradáveis e proveitosos desde que me transformara em espírito. Foi-nos
sugerido que talvez Rute e eu gostássemos de testemunhar o erguimento de um
edifício espiritual.
Havia já grande número de
pessoas reunidas quando chegamos, e com o mesmo propósito que lá nos levara; enquanto
esperávamos o início das operações, Edwin nos deu alguns pormenores
preliminares.
Assim que se deseja algum
novo edifício, o governante do reino é consultado. Desta grande alma e de
outras similares em caráter espiritual e capacidade só falarei mais tarde.
Conhecendo, como conhece, tão profundamente os desejos e necessidades de todos
os do, seu reino, nunca houve o caso em que algum novo edifício fosse pedido
para o uso de todos, sem ser atendido.
O governante então transmite
o pedido aos seus superiores em autoridade, que, por seu turno, o transmitem a
outros mais elevados.
Reunimo-nos então no templo
central da cidade, onde somos recebidos por aquele cuja palavra é lei, a grande
alma, que há muitos anos terrestres tornou minha comunicação com o mundo
terreno possível.
Ora, esse processo
aparentemente complicado, de transmitir nosso pedido de um para outro, pode sugerir
à mente os tortuosos métodos da burocracia com suas delongas e adiamentos.
O método pode parecer
semelhante, mas o tempo gasto é uma coisa muito diferente. Não é exagerado
dizer que no espaço de alguns minutos terrenos, nossos pedidos já são feitos, e
a permissão -- acompanhada de uma bênção — é concedida. Nessas ocasiões é que
temos razões para nos rejubilarmos, e o fazemos com grande prazer.
O passo seguinte é consultar
um arquiteto, e, como se pode imaginar, temos um número inesgotável que nos
pode auxiliar. Trabalham pela mera alegria que lhes advém da
criação de algum grandioso
edifício a ser usado para o bem de seus concidadãos. Esses bons homens
trabalham e colaboram de uma maneira que seria quase impossível sobre a terra.
Aqui não são tolhidos pela ética profissional, ou limitados pela mesquinhez da
inveja. Cada um tem mais alegria e orgulho de servir do que o outro, e nunca há
discórdias e choques no esforço de introduzir ou impor idéias individuais, em
prejuízo das dos outros. Direis talvez que tal unidade completa está longe e
acima da natureza humana e que tais pessoas não seriam humanas se não
discordassem ou por qualquer outra maneira mostrassem sua individualidade.
Antes de rejeitardes meu
argumento como altamente improvável ou de me acusardes de pintar um quadro de
perfeição impossível a não ser nos mais elevados reinos, deixai-me expor o
simples fato de que discórdia a respeito de assuntos como agora discutimos não
poderia existir nestes planos que ora habito. E se ainda insistirdes que isto é
impossível, eu declaro que Não: é perfeitamente natural. Quaisquer dons que possamos
possuir em espírito, são parte da essência deste reino, onde não temos idéias
presunçosas sobre o poder ou a excelência desses dons. Reconhecemo-los e com
humildade, sem convencimento, despretensiosamente e sem egoísmo, gratos pela
oportunidade de trabalhar, con amore, com nossos colegas ao serviço do Grande Inspirador.
É isto, em substância, o que
um dos grandes arquitetos me disse em referência a seu próprio trabalho.
Depois de os planos de novos
edifícios serem traçados com orientação do governante do reino, há uma reunião
dos empreiteiros-mestres. Estes eram na maioria pedreiros na terra, e continuam
a exercer suas atividades aqui. Fazem-no é claro, porque o trabalho lhes agrada
como* acontecia quando eram encarnados, e aqui têm condições impecáveis nas
quais podem prosseguir o seu trabalho. Fazem-no com a grande liberdade de ação
que lhes era negada na terra, mas que aqui é a sua herança. Outros que não eram
pedreiros de profissão, aprenderam aqui os métodos espirituais de cons
trução e, pela pura alegria
de o fazer, dão valiosa ajuda a colegas mais experimentados.
Os pedreiros são as únicas
pessoas ligadas à construção, visto que os edifícios espirituais não requerem
tantas minúcias como os da terra, tais como iluminação e aquecimento. Nossa luz
provém de grande fonte central de luz e o calor é uma das características do
reino.
O acréscimo que estava sendo
feito à biblioteca cons-sistia em um anexo e não era de grandes proporções.
Nossa biblioteca tem pelo menos um traço em comum com as terrestres. Vem a
época em que a quantidade de livros excede o espaço em que abrigá-los e, no
nosso caso, o excesso tende a ser maior, porque não só temos cópias dos livros
terrenos em nossas estantes, mas também volumes escritos apenas em espírito. Incluídos
entre eles há obras referentes à vida espiritual, aos fatos da vida aqui, e
ensinamentos espirituais escritos por autoridades que possuem conhecimentos
infalíveis sobre o assunto, e que pertencem às esferas superiores.
O edifício deste anexo não era portanto, o que se chamaria
um esforço maior, e requeria o auxílio de apenas alguns trabalhadores. Era
simples no traçado, consistindo de dois ou três salões de tamanho médio.
Estávamos mais ou menos perto
do grupo de arquitetos e pedreiros, encabeçados pelo legislador do reino. Notei
que todos tinham a aparência de extrema felicidade e alegria, e as piadas
circulavam no meio deste grupo jovial.
Era estranho para mim e Rute — e Edwin já o notara
antes — pensar que um edifício ia ser erguido dali a pouco, porque desde minha
chegada ao mundo espiritual eu não vira sinais de qualquer movimento de
construção em parte alguma. Todos os edifícios e templos já estavam construídos
e nunca me ocorreu que precisassem de mais algum. Pensando um pouco, é claro,
veríamos que as casas espirituais estão sempre sendo construídas, enquanto
outras são demolidas desde que não sejam mais necessárias. As mansões do saber
pareciam tão permanentes aos meus olhos inexperientes, tão
completas, que nunca imaginara fosse necessário
fazer-lhes acréscimos.
Por fim, houve sinais de que
se aproximava o início.
Deve-se lembrar que o ato de
construir no mundo espiritual é essencialmente uma operação de pensamento. Não
é de surpreender, portanto, que eu diga que não se via por ali a usual confusão
de apetrechos ligados às contrações terrenas, os andaimes, cimento, tijolos e
vários outros objetos familiares. Estávamos para testemunhar, de fato, um ato
de criação — criação pelo pensamento — e como tal não há necessidade de
equipamento físico.
O governante do reino deu
alguns passos à frente e de costas para nós, mas olhando para o local onde se
iria erguer a nova ala, pronunciou uma breve mas apropriada oração. Em linguagem
simples pediu auxílio ao Grande Criador para a obra que iria ser iniciada.
Sua breve prece trouxe
imediata resposta, na forma de um vivido raio de luz que desceu sobre êle e os
que se reuniam à volta. Assim que isto se deu os arquitetos e pedreiros se
moveram para perto dele.
Todos os olhos se voltaram
para o espaço vazio ao lado do edifício principal, e para o qual se dirigia um
segundo raio de luz que emanava do governante e dos pedreiros. Ao atingir o
espaço vazio o raio de luz formou um tapete corus-cante sobre o solo. Este
aumentou gradualmente de intensidade, largura e altura, mas parecia que ainda
lhe faltava algo de substancial. Era idêntico em côr ao edifício principal, mas
era apenas isso por enquanto.
Lentamente a forma ganhou
volume até alcançar a altura
requerida. Podíamos ver agora que combinava exatamente
com a estrutura original, até nos menores ornamentos es-
culpidos. |j
Enquanto estava neste ponto,
os arquitetos aproximaram-se e examinaram-na detalhadamente. Podíamos vê-los andando á dentro e
finalmente desapareceram de nossas vistas, por
um curto espaço de tempo, até
que voltaram ao governante com a declaração de que tudo estava em ordem.
Agora o raio de luz
descendente tornou-se muito mais intenso. Podia-se perceber que a forma meio
nebulosa, agora adquiria uma inequívoca aparência de solidez, à medida que a
concentração de pensamentos acrescentava camada sobre camada de progressiva
densidade sobre o simulacrum.
Pelo que pude observar,
parecia caber ao governante fornecer a cada pedreiro a quantidade de força
requerida pela sua tarefa. Êle na verdade agia como agente distribuidor da
força magnética que descia sobre êle. Esta se dividia em um número de raios de
diferentes cores e intensidade, que correspondem ao apelo direto ao Grande
Arquiteto. Não havia o menor sinal perceptível de falhas ou diminuição na
aplicação da substância-pensamento. Os pedreiros pareciam trabalhar em
completa unanimidade de concentração, ao mesmo tempo que o edifício atingia sua
total solidez com notável grau de igualdade.
Depois do que me pareceu um
curto espaço de tempo, o prédio cessou de adquirir mais intensidade, os raios
foram interrompidos, e eis perante nós a ala terminada, perfeita em todos os
detalhes, uma exata réplica do edifício principal, belíssimo em côr e forma, e
digno do alto fim a que seria devotado.
Aproximamo-nos para examinar
de perto os resultados do feito que acabara de ser realizado. Passamos nossas
mãos sobre a macia superfície para convencermo-nos de que era realmente sólido.
Rute e eu não éramos os únicos a fazer tal coisa, visto que havia outras
pessoas que testemunhavam isso pela primeira vez, e com igual surpresa e
espanto.
O processo que regula a
construção de nossas casas particulares e bangalôs difere um pouco do que agora
acabei de descrever. O requisito indispensável para se possuir uma casa
espiritual é o direito de possuí-la, um direito que é ganho unicamente pela espécie
de vida que levamos quando encarnados, e por nosso progresso espiritual depois
da transição para este mundo. Uma vez ganho esse direito, nada nos impede de
ter tal residência, se o desejarmos.
Diz-se muitas vezes que
construímos nossos lares espirituais durante nossas vidas na terra — ou
depois. Isto num sentido mais amplo. O que conseguimos foi o direito de
construir, porque demanda um perito a construção de uma casa que justifique o
seu nome. Minha própria casa foi construída durante minha vida terrena por
construtores tão eficientes quanto aqueles que ajudaram a construir o anexo da
biblioteca.
Quando raiar o dia em que
pelo progresso espiritual eu me veja obrigado a prosseguir, deixarei minha
casa. Mas dependerá de mim o deixá-la para outros ou demoli-la. É costume,
disseram-me, doá-la ao governante do reino que poderá dela dispor em favor de outros
à sua escolha.
Continua no p´roximo Bloco - IV Tempo e Espaço
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