O texto foi dividido em blocos para que o blog pudesse salvar em pequenas quantidades. A cada final, teremos a palavra continua com o nome do próximo título.
É uma viagem ao mundo real a qual um dia todos partiremos para lá. (páginatres)
A VIDA
NOS MUNDOS INVISÍVEIS
Poucas
pessoas existirão que não tenham por vezes indagado o que acontecerá após a
morte. A maioria tem idéias formadas sobre Céu e Inferno, mas para obter algo
mais sólido e não convencional acerca de tão importante questão, devemos nos
voltar a outras fontes mais precisas.
Há
muitos anos, o Monsenhor Robert Hugh Benson, filho de um ex-Arcebispo de
Cantuária, escreveu um livro intitulado Os Necro-mantes,
o qual obteve considerável fama, porém desvirtuava a realidade da comunicação
dos espíritos. Em sua introdução à presente obra, o autor esclarece que, ao
passar para a vida espiritual, Monsenhor Benson chegou a saber que suas idéias
eram inteiramente erradas. Assim, um dos seus principais objetivos na nova
esfera de existência foi, justamente, esforçar-se por corrigir a falsa noção
que havia divulgado em seus escritos quando ainda na terra; para tanto, entrou
em comunicação com o autor, o qual fielmente registrou as mensa-gens recebidas.
Sua principal finalidade na divulgação dessas mensagens era tentar re-mover da
mente dos homens o temor da morte, através do reexame de sua experiência
pessoal e a transmissão do conhecimento que havia adquirido no mundo do
espírito.
Neste
livro o leitor passa a conhecer a vida nas regiões do Além, e essa vida é
relatada nos mínimos pormenores de suas variadas esferas de atividades, dos
mais baixos aos mais elevados reinos.
Para aqueles que
acreditam existir uma vida após a morte, a presente obra oferece um profundo
interesse; e para aqueles, em dúvida, o esclarecimento e a promessa de . uma
nova e superior existência no futuro.
PREFÁCIO
Sinto-me
satisfeito em prefaciar este livro, o qual
oferece um quadro pitoresco da existência vivida nas esferas espirituais por
aqueles que na terra agiram de acordo com as leis divinas. A assertiva confirma
tudo aquilo que positivei certo e verdadeiro em minhas investigações acerca de
uma filosofia do pensamento.
Esta obra tranqüiliza
aqueles que no presente vivem uma existência voltada para o bem, e encoraja os
outros no sentido de modificarem seus impulsos mentais, assim evitando que
penetrem nas esferas sombrias do mundo espiritual, que resultam da aceitação
das malignas vibrações da terra, vibrações que nos têm causado não pouca
adversidade.
O
pensamento é a força criadora do Universo conforme as ações individuais para o
Bem ou para o Mal. Enquanto vivermos na terra, estaremos instituindo a nossa
própria herança no mundo do espírito, e este será exatamente o reflexo da
qualidade de nossos pensamentos.
Causa
e efeito é lei cósmica imutável, mas o homem é livre para agir de acordo com o
seu arbítrio. O que ocorre com a alma ao entrar para o mundo espiritual é
justamente o resultado de sua escolha de conduta na terra. A punição do Mal é o
remorso da alma eterna imposto pela reação da consciência de cada um.
No
passado, as responsabilidades da vida e as conseqüências das ações pessoais
têm obscurecido a mente coletiva
da
Humanidade. Por esta razão, as
religiões ortodoxas fa
lharam em estabelecer a paz na terra segundo
os ensinamentos do Grande Mestre.
A Civilização vive
seus últimos caminhos, e é de esperar que novas obras de informações como esta
apareçam a fim de favorecer a regeneração espiritual do mundo com o
estabelecimento da paz e da harmonia entre os homens.
Sir
John Anderson
INTRODUÇÃO
DO AUTOR
O
conhecimento é
o melhor antídoto para o temor, especialmente se este temor diz respeito à
existência após a morte.
Para
saber que espécie de lugar é o outro mundo, nós devemos indagar de alguém que
lá está e registrar o que esse alguém disser.
Isto foi feito neste livro.
O
informante, de quem pela primeira vez tive conhecimento em 1909, cinco anos
antes de sua passagem ao mundo espiritual, foi na terra conhecido como
Monsenhor Robert Hugh Benson, filho de Edward White Benson, ex-Arcebispo de
Cantuária. .
Até
que estes escritos se redigissem, jamais se havia comunicado diretamente
comigo, se bem que em certa ocasião fosse eu informado por outro espírito de
que êle desejava corrigir certas coisas. As dificuldades da comunicação
fo-ram-lhe explicadas por espíritos e conselheiros, mas êle persistiu em seu
propósito. Assim, quando a época adequada se apresentou, foi-lhe dito que podia
comunicar-se através de algum amigo de seus dias na terra, tendo sido eu a
privilegiada pessoa escolhida para atuar como seu intérprete.
A primeira narrativa
intitulou-se Além Desta Vida, e
a segunda O Mundo Invisível.
Na primeira,
Monsenhor apresenta, numa perspectiva geral, o relato de sua morte e as
subseqüentes viagens através das várias regiões das terras espirituais. Na segunda,
trata pormenorizadamente dos
fascinantes e importantes fatos
e
aspectos da vida do espírito, sobre os quais, anteriormente
havia
apenas tocado de passagem e levemente.
Por
exemplo: em Além Desta
Vida , menciona os reinos
superiores e os inferiores.Em O
Mundo Invisível realmente
os visita e descreve o que viu e ocorreu nesses lugares. Se
bem que cada uma das narrativas seja autônoma e completa,
a segunda acrescenta nova matéria à primeira e ambas
formam um todo uno e indivisível.
superiores e os inferiores.
os visita e descreve o que viu e ocorreu nesses lugares. Se
bem que cada uma das narrativas seja autônoma e completa,
a segunda acrescenta nova matéria à primeira e ambas
formam um todo uno e indivisível.
Somos velhos amigos,
e sua passagem não interrompeu antiga amizade; pelo contrário, ficou
fortalecida e propor-cionou melhores oportunidades de encontro do que teria
sido possível quando Monsenhor ainda vivia na terra. Constantemente êle expressa o seu prazer de
voltar numa natural normal, sadia e agradável maneira, oferecendo informações
de suas aventuras e experiências no mundo do espírito assim como quem
"estando morto (segundo o consideram inúmeras pessoas), ainda assim pode
falar".
Anthony
Borgia
PRIMEIRA PARTE
ALÉM DA
VIDA
I. Minha Vida na Terra
Quem sou não importa. Quem fui importa menos ainda. Nós não
trazemos conosco para o mundo do espírito as posições que ocupamos na terra.
Tudo isso ficou para trás, inclusive a minha importância terrena. O valor
espiritual é o que importa agora, meu bom amigo, e esse valor está muito além
do que seria ou poderia ser. É o bastante, a respeito do que sou. Quanto ao que fui, gostaria
de transmitir algumas informações sobre a minha atitude mental, anterior ao meu
passamento e entrada no mundo em que hoje vivo.
Minha vida terrena não foi
difícil, pois jamais passei privações, se bem que fosse árdua em relação aos
trabalhos de ordem mental. Nos meus primeiros anos fui atraído para a Igreja
pelo misticismo em que ela se envolve e por ter sido eu mesmo uma personalidade
mística. Os mistérios da religião expressos numa profusão de luzes, vestes e
cerimoniais, pareciam satisfazer inteiramente o meu espírito. Muitas coisas,
naturalmente, eu não entendia, mas a partir do momento em que passei para o
mundo espiritual, elas deixaram de ter importância. Eram problemas religiosos
provocados pela mente humana, e na verdade não tinham nenhuma significação no
grande esquema da vida. Mas a esse
tempo, como tantos outros, eu acreditava totalmente em tais coisas, sem um
vislumbre de entendimento, e se algum entendimento havia, era ínfimo. Ensinei e
preguei segundo os textos ortodoxos, firmando minha reputação. Quando refletia
sobre uma futura existência, eu pensava — e muito vagamente — naquilo que a
Igreja me havia ensinado e que era infinitamente pequeno e mais falso ainda. Eu
não compreendia a proximidade dos dois mundos — o meu e o vosso, — embora
tivesse uma ampla demonstração disso. As experiências que tive em ocultismo
foram acontecimentos espontâneos, e, pensava eu, provenientes de qualquer
extensão de leis naturais; julguei-os antes incidentes ocasionais, do que
ocorrências normais.
O fato de ter sido um
sacerdote não me impediu de receber visitas daqueles que a Igreja preferiu chamar
demônios, se bem que jamais tivesse visto, devo confessar, qualquer coisa que
remotamente se parecesse com tal. Nunca entendi como pudesse ser e o que era
afinal, na esfera terrestre, aquilo que denominam um sensitivo, um psiquista — uma pessoa dotada de
poderes de visão, ainda que em grau limitado.
Eu considerava perturbadora
essa intromissão de faculdades psíquicas em meu ministério sacerdotal, visto
como se chocava contra as minhas idéias ortodoxas. Procurei, então,
aconselhar-me entre os meus colegas, mas eles sabiam menos ainda que eu e
apenas decidiram rezar por mim, a fim de afastar os demônios de meu caminho. Suas preces
em nada me beneficiaram, o que seria de se esperar — como agora o sei. Fossem
minhas experiências desenvolvidas em alto plano espiritual, eu teria sido considerado
um verdadeiro santo. Mas, na realidade, não foi assim, pois essas experiências
ocorriam com qualquer outro dotado dos mesmos poderes. Tratando-se, porém, de
um sacerdote da Santa Igreja, elas eram entendidas como "tentações do
demônio", tratos com o diabo e, por outro lado, como alguma forma de aberração
mental, caso ocorressem com leigos. O que os sacerdotes meus colegas não
entendiam era que tais poderes podiam ser considerados um dom — um
precioso dom, segundo os compreendo agora — e de
caráter inteiramente individual, tanto no meu caso como em todos os outros, e
que rezar para que fossem removidos seria tão insensato como rezar para que se
removesse do artista o dom de tocar piano ou de pintar. Não seria apenas uma
insensatez, mas incontestàvelmente um erro, visto que esse dom de ver além do
véu celeste fora outorgado para ser exercido em favor da Humanidade. Posso pelo
menos regozijar-me de que jamais orei para que tais poderes me fossem
retirados; pelo contrário, orei para que maior luz se fizesse em meu
entendimento.
A grande barreira a quaisquer
novas investigações a respeito dessas faculdades, era, e é, a atitude da
Igreja: insensível, inflexível, estreita e ignorante. As investigações, ainda
que por caminhos longos, ainda que exaustivas, recebiam, invariavelmente, o
mesmo julgamento final: "Tais atividades têm sua origem no demônio".
E eu estava amarrado pelas leis dessa Igreja, administrando seus sacramentos,
divulgando seus ensinamentos, enquanto o mundo do espírito batia à porta de
minha própria existência, tentando mostrar--me, para que eu mesmo visse, o que não poucas vezes havia
contemplado — a nossa vida futura.
Enunciei em meus livros
muitas de minhas experiências psíquicas, torcendo porém as narrativas no
sentido da religião ortodoxa. A verdade estava lá, mas o sentido e a
finalidade foram deformados. Num trabalho mais amplo achei que devia defender a
Igreja contra os assaltos daqueles que acreditavam na sobrevivência da alma
após a morte do corpo e julgavam possível a comunicação dos espíritos. Nesse
trabalho atribuí ao demônio — contra o meu melhor julgamento — aquilo que eu
realmente conheci como sendo a atividade de leis naturais, acima e independente
de qualquer religião ortodoxa, e não de origem maligna.
Para seguir as minhas
próprias inclinações, eu teria que infligir à minha vida, uma completa
revolução, a renúncia às idéias ortodoxas, e, muito provavelmente, um grande sacrifício material,
visto que eu possuía também boa reputação como escritor. Tudo quanto já havia
escrito iria perder o seu valor, desde então, aos olhos dos leitores e além
disso eu seria olhado como um louco ou herege. Assim, deixei passar a maior
oportunidade da minha vida. Quão grande foi essa oportunidade e quão grande o
remorso dessa perda, eu fiquei sabendo ao trans-ferir-me para este mundo, cujos
habitantes já vira tantas vezes e em tão diferentes ocasiões. A verdade
estivera ao meu alcance e eu a deixei escapar. Entregara-me à Igreja, e seus
ensinamentos estavam fortemente aderidos a mim. Via que milhares de pessoas
pensavam como eu, e isto me encorajava de tal forma, que não era capaz de
pensar que tanta gente poderia estar errada. Tentei separar minha vida
religiosa das experiências psíquicas que sucediam comigo, tratando-as como dois
fatos completamente estranhos um ao outro. Era difícil, mas dirigi os
acontecimentos de tal modo que houve menor inquietação mental, e assim
prossegui até o fim, quando, então, vi-me no limiar daquele outro mundo, de que
já tinha visto manifestações. Do que sucedeu comigo ao deixar de ser um
habitante da terra, passando para o grande mundo dos espíritos, espero a seguir
dar-lhes alguns pormenores.
II. Passagem Para o Mundo do Espírito
O real processo da morte não é necessariamente doloroso.
Durante minha vida terrena testemunhei muitas dessas passagens para as
fronteiras do espírito. Tive oportunidade de observar com os meus próprios
olhos a luta mantida pelo moribundo para libertar-se da matéria. Por intermédio
de minha visão psíquica, também pude observar essa libertação, mas em parte
alguma me foi possível descortinar — segundo as fontes ortodoxas — o que exatamente ocorria no
momento da separação, nem consegui saber quais as sensações experimentadas
pela alma que deixava o corpo. Os
autores de
tratados religiosos não nos
informam dessas experiências por uma razão muito simples — eles nada sabem.
O corpo físico dá a impressão muitas vezes de estar
sofrendo intensamente de dor ou de asfixia. A morte, pois, oferece o quadro de um
sofrimento extremamente doloroso. Seria realmente assim? — era a indagação que
sempre fazia a mim mesmo. Qualquer que pudesse ser a resposta, eu não podia
acreditar que o processo físico da morte, fosse na verdade doloroso, não obstante tudo indicasse
que sim. A resposta à minha indagação, eu sabia que a teria um dia, mas tinha
esperanças de que pelo menos não fosse violenta a minha morte. E assim foi, se bem que
demorada, como tantas outras que testemunhei.
Eu tinha um presentimento de
que os meus dias na terra se encurtavam cada vez mais. Sentia um peso na mente,
algo semelhante àquele que nos invade na hora de repousar. Muitas vezes me
sentia como que flutuando ao longe e depois voltando suavemente. Durante esses
períodos de depressão aqueles que me tratavam sem dúvida julgavam que, se ainda
não era a morte, eu caminhava rapidamente para ela. Todavia, em meus
intervalos lúcidos não sentia mal-estar físico. Podia ver e ouvir o que ocorria
ao meu redor, e podia sentir as aflições que o meu estado causava nos demais. E
tinha ainda a sensação de uma grande animação mental. Estava certo de que
chegara a minha hora, e fremia de impaciência por ir-me de vez. E não fui
assaltado por temores, apreensões, dúvidas ou remorsos nos momentos que
prenunciavam a minha partida da terra. Os remorsos viriam mais tarde, mas os
relatarei oportunamente. Tudo quanto desejava era ir-me para bem longe.
Repentinamente senti ímpetos de
levantar-me, porém, não houve qualquer sensação física, da mesma forma como acontece
nos sonhos; se bem que sentisse a mente alerta, meu corpo parecia opor-se a tal
estado. Tão logo senti esse definido estímulo para levantar-me, percebi que já
o tinha realizado. Descobri, então, que
todos os que me rodeavam
não se
apercebiam de nada, pois não procuraram auxiliar-me, nem tentaram impedir-me
que me levantasse. Voltei-me e passei a
observar o que sucedia. Meu corpo
material jazia sem vida, mas ali estava eu, o eu real, vivo, e bem vivo. Fiquei
contemplando ainda um ou dois minutos e logo a idéia do que devia fazer a
seguir penetrou minha mente, mas acabara de constatar que não poderia contar
com o auxílio de ninguém. Via ainda claramente o quarto ao meu redor, não
obstante a névoa que o envolvia totalmente. Examinei-me, a mim mesmo, a fim de
verificar como estaria agora vestido, pois que me levantara de um leito de
morte e não poderia estar em condições de mover-me para além do próprio quarto.
Grande foi minha surpresa ao notar. que vestia as roupas habituais, exatamente
as mesmas que* usava quando me movimentava livremente | pela casa. em boa
saúde. Uma surpresa aliás momentânea,
pois que conjecturei quais seriam as outras vestes que deveria envergar
depois. Certamente nenhuma dessas
espécies de manto diáfano... Mantos
desse gênero são comumente li-gadosà idéia convencional de anjos, e eu estava
certo de quenão era um deles...
O conhecimento do mundo
espiritual como me fora pos-
sível apreender através de minhas próprias experiências, veio
imediatamente em meu auxílio. Soube logo da mudança que
se operara em minha condição; por outras palavras, fiquei
sabendo que havia morrido. Contudo, sabia ao mesmo
tempo que estava vivo, isto é, que me havia libertado da
moléstia e me achava de pé, olhando ao redor. Em momento
algum perturbei-me, embora estivesse assaz interessado em
saber o que viria a seguir, pois sentia-me na posse de todas
as minhas faculdades mentais, e realmente num estado físico
nunca antes experimentado.
sível apreender através de minhas próprias experiências, veio
imediatamente em meu auxílio. Soube logo da mudança que
se operara em minha condição; por outras palavras, fiquei
sabendo que havia morrido. Contudo, sabia ao mesmo
tempo que estava vivo, isto é, que me havia libertado da
moléstia e me achava de pé, olhando ao redor. Em momento
algum perturbei-me, embora estivesse assaz interessado em
saber o que viria a seguir, pois sentia-me na posse de todas
as minhas faculdades mentais, e realmente num estado físico
nunca antes experimentado.
Conquanto a narração de tais
acontecimentos tenha aqui tomado algum tempo, pois desejo dar os maiores
detalhes possíveis, na verdade tudo deve ter ocorrido em não mais que alguns
minutos do tempo terrestre.
Tão logo me vi em minha nova
condição, e tão rapidamente como tudo sucedeu, percebi a meu lado um sacerdote ex-colega,
cujo passamento se dera alguns anos antes. Cumprimentamo-nos afetuosamente e
notei que se vestia como eu. Novamente isso não me pareceu estranho: se
estivesse usando roupas diferentes das minhas, então sim, eu poderia pensar que
algo estava errado, uma vez que sempre o conhecera em trajos clericais.
Expressou seu grande prazer em rever-me, e de minha parte previ a junção de
muitos fios do enigma que se haviam rompido com a sua morte.
Inicialmente, deixei-o falar;
devia antes acostumar-me com as novidades que se me apresentavam. Deveis
lembrar--vos que eu havia abandonado um leito de morte e que, lan-çando-me fora
do corpo material, deixara com êle a minha doença. A nova sensação de bem-estar
e libertação das mazelas do corpo era tão agradável, que a compreensão total
do fenômeno deveria levar algum tempo. Meu velho amigo pareceu compreender imediatamente
que eu já estava ciente da minha morte e que tudo ia bem.
Permiti-me acrescentar que
nenhuma idéia sobre tribunal de julgamento ou dia do juízo me ocorrera durante aquele
processo de transição. Tudo era normal e natural demais para que pudesse sugerir
a terrível provação ensinada pela religião ortodoxa, e à qual deveríamos nos
submeter após a morte. Os próprios conceitos de julgamento, céu e inferno pareciam totalmente
impossíveis. Eram, na verdade, uma fantasia, agora que eu me encontrava vivo e
bem vivo, dono
de minha verdadeira mente e vestido com as roupas habituais, de pé, diante de um
velho amigo que me saudava cordialmente e mostrava tudo quanto se passava no
outro lado da vida, exteriorizando o seu prazer em me ver, e ao qual eu
retribuía. Tratava-se de um dos melhores espíritos que conheci, tanto ao tempo
de vida terrena, como agora, que me acolhia afetuosamente, como dois amigos
após longa separação. Tal fato bastava para esclarecer o absurdo de minhas
idéias sobre um julgamento da alma. Ambos estávamos alegres, felizes,
despreocupados, naturais, e eu aguardava, emocionado, toda a revelação desse
novo mundo, o qual ninguém melhor do que êle poderia descortinar-me. Disse que
eu me preparasse para inúmeras e agradáveis surpresas e que havia sido enviado
para encontrar-se comigo à minha chegada. Como já conhecia o grau de meus
conhecimentos, sua tarefa seria, assim, mais fácil.
Tão logo tentei falar, após o
silêncio inicial do encontro, verifiquei que me expressava exatamente do mesmo
modo como o fazia quando materialmente vivo, isto é, usando as cordas
vocais. Mas não havia necessidade de
pensar para dizer o que quer que fosse; nem mesmo cogitei nisso, apenas notei
que assim era. Então o meu amigo propôs que saíssemos, desde que ali nada mais
havia a fazer, e que êle me conduziria a um aprazível lugar preparado especialmente para
mim. Fez referência a um lugar, mas apressou-se em acrescentar que na realidade eu ia
para a minha própria casa, onde me sentiria imediatamente no lar. Não sabendo ainda como agir, ou por outras palavras,
como devia proceder em tais circunstâncias, deixei-me conduzir por suas mãos,
fato que, como êle próprio dissera, constituía precisamente a sua
missão.
Não pude resistir ao impulso
de voltar-me e olhar pela última vez o quarto onde ocorrera o meu passamento.
Continuava envolvido na mesma névoa. Os que antes rodeavam o meu leito já se
tinham ido, e aproximei-me então para contemplar a mim mesmo. Não me impressionei com o que
vi; os restos mortais do meu Eu material ostentavam uma total serenidade. Meu
amigo então sugeriu que devíamos partir, o que fizemos em seguida.
Nesse momento o quarto se
tornava aos poucos mais enevoado até esvanecer-se de minha vista, desaparecendo
afinal. Até então eu tinha usado minhas pernas, como sempre, na nossa forma
comum de andar, mas em virtude da moléstia e suas conseqüências necessitava de
um período de descanso antes de esforçar-me demasiado. Por isso, disse o meu
amigo que melhor seria não usarmos esse habitual meio de locomoção, isto é, as
pernas, e que eu segurasse com firmeza a sua mão e não temesse o que quer que
fosse. Poderia
)u não fechar os olhos, mas de qualquer modo melhor seria para mim se os fechasse. Segurei sua mão e deixei que ele fizesse o resto. Imediatamente experimentei a sensação de flutuar, assim como acontece nos sonhos dos vivos, se bem que eu flutuasse de uma forma real e sem cuidados de segurança pessoal. A velocidade parecia aumentar à medida que o tempo passava, e eu ainda mantinha os olhos firmemente fechados. É estranho que alguém possa realizar tais coisas aqui e com tanta segurança. No plano terreno, caso fossem possíveis condições idênticas, quanta gente teria fechado os olhos com toda a confiança? Aqui não havia dúvidas de que tudo corria bem, não havia temor, nada de mal poderia ocorrer, e além do mais, o meu amigo tinha completo domínio de tudo.
Após algum tempo nossa
velocidade pareceu afrouxar um pouco, e eu podia sentir algo sólido sob os pés.
Fui convidado a abrir os olhos. Assim o fiz. Descortinei então o velho lar em
que vivi na terra; o meu velho lar... mas com uma diferença: fora melhorado de
uma forma que ninguém teria podido fazer em sua reprodução terrestre. Como logo
me pareceu, a casa estava antes rejuvenescida, do que res-taurada, mas foram os
jardins à sua volta que mais me atraíram a atenção.
Esses jardins davam-me a
impressão de ser bastante extensos e estavam em perfeita ordem e disposição.
Dizendo isso não quero dar a entender que eram iguais, quanto à regularidade,
aos jardins do plano terreno, mas eram maravilhosamente cultivados e
conservados. Não havia crescimentos desordenados, nem folhagem e ervas
daninhas emaranhadas; pelo contrário, era a mais bela profusão de flores
dispostas de maneira a mostrar uma perfeição absoluta. Ao examiná-las mais de
perto, devo dizer que jamais vi outras semelhantes ou uma réplica na terra, das
muitas que lá existem e em plena florescência. Muitas por certo poderiam ser
perfeitamente iguais às terrenas, mas na maior parte dos casos, pareceu-me o
contrário. Não eram, entretanto, as flores em si e a inacreditável sucessão de
suas cores magnificentes, que mais me chamaram a atenção, mas sim, a atmosfera
vital de eternidade que elas exalavam por todas as direções. Quem quer que se
aproximasse de qualquer grupo daquelas flores, ou mesmo de uma que fosse,
sentia fortes correntes de força energética, as quais elevavam espiritualmente
a alma e lhe davam maior estímulo, ao mesmo tempo que os perfumes celestiais
emanados eram de tal magnitude que nenhuma alma quando materializada jamais os
havia sentido. Tratava-se de flores que viviam e respiravam, e eram incorruptíveis,
segundo o meu amigo.
Outra característica que
notei quando me aproximei delas, era os sons musicais que as envolviam, e cuja
suave harmonia combinava perfeitamente com as cores deslumbrantes. Não sou
suficientemente versado em música para discorrer, tecnicamente, sobre tão belo
fenômeno, mas espero em ocasião oportuna trazer alguém com conhecimentos da
matéria a fim de explicá-lo. Por ora, é bastante dizer que esses sons musicais
das flores estavam em precisa consonância com tudo que eu já havia visto, — o
que, entretanto, era ainda muito pouco — e que, em toda parte, eu via a
harmonia perfeita.
Se já estava ciente do efeito
revitalizador dos jardins celestiais, crescia porém a minha ansiedade de
conhecer mais ainda acerca de tudo aquilo.
Assim, em companhia do meu velho amigo, a quem fora confiado para ser
informado e guiado, caminhei pelas veredas do jardim, pisei na estranha relva,
flexível e macia, como se andasse no ar, e tentei compreender que toda aquela extraordinária
beleza fazia parte do meu próprio lar.
Soberbas árvores podiam ser divisadas, mas sem as deformações das que
existem na terra, e não havia uniformidade nas espécies. Simplesmente cresciam sob condições
perfeitas, livres dos ventos tempestuosos que curvam e torcem os ramos mais
tenros; livres dos ataques de insetos e de outras causas que as afligem no
plano terreno. Do mesmo modo que as
flores, assim eram as árvores. Eram
eternas, incorruptíveis, cobertas de folhas, numa grande pro-fusão de matizes
verdes, eternamente emanando vida para todos os que se aproximassem delas.
sol brilhante; havia sim, uma luz cintilante que
penetrava por tudo, nunca, porém, em plano horizontal. O meu amigo informou-me
que toda a luminosidade provinha do Doador de toda luz, e que esta era
essencialmente divina, banhando e iluminando todo o mundo do espírito, onde
viviam aqueles que espiritualmente possuíam olhos para vê-la.
Havia uma tépida e agradável
temperatura sempre constante O ar permanecia na sua imobilidade, mas sentia-se
uma aragem de suave perfume — autêntico zéfiro — que não alterava a fragrância
da tepidez envolvente. Àqueles que não apreciam perfumes de qualquer natureza posso
dizer: não vos desaponteis ao lerdes estas palavras, pois coisas de que não
gostais não vos acontecerão aqui. De qualquer modo, esperai, advirto-vos, e
ireis sentir quão diferente do que possais imaginar são estas coisas.
Venho revelando esses fatos
com o máximo de pormenores, porque estou certo de que inúmeras pessoas muito
têm indagado a respeito.
Fiquei surpreso por não ver
muros, sebes ou cercas; nada do que até então pude observar delimitava o meu
próprio jardim. Fui informado de que não havia necessidade de separações,
porque cada um sabia, instintivamente, mas com absoluta certeza, onde sua
propriedade terminava. Não havia, portanto, intromissão de ninguém num jardim,
embora todos estivessem abertos a quem quer que desejasse atravessá-los ou neles
demorar-se. Eu seria sinceramente bem recebido em qualquer lugar que fosse, sem
receio de estar me intrometendo na intimidade dos outros. Disseram-me ser essa
a regra aqui, e que eu não teria sentimentos diferentes com respeito àqueles
que passassem pelo meu jardim. Sim, meus sentimentos naquele momento foram
justamente esses, pois desejei que todos viessem gozar de sua beleza. Eu não
possuía quaisquer noções de propriedade pessoal, não obstante saber que o
jardim era meu para tê-lo e mantê-lo. Era essa precisamente a atitude de todos —
propriedade e sociedade a um só tempo.
Apreciando o belo estado de
conservação dos jardins e o cuidado que recebiam, indaguei de meu guia quem
assídua-mente e com tão esplêndidos resultados assim os mantinha. Antes de me responder,
sugeriu que, como tinha eu chegado recentemente às regiões espirituais, era
aconselhável descansar primeiro ou pelo menos não me fatigar muito com
observações. Propôs, assim, que deveríamos procurar um lugar aprazível — usou
as palavras num sentido apenas comparativo, porque tudo era aprazível em qualquer parte — onde nos
sentaríamos, quando então êle passaria a expor alguns dos muitos problemas que
se haviam apresentado no curto espaço de tempo da minha nova condição.
Andamos, pois, até encontrar
o aprazível
lugar sob
os ramos de magnífica árvore, de onde podíamos dominar grande parte da campina,
cuja exuberante verdura ondulava ante os nossos olhos, estendendo-se ao longe.
A paisagem era banhada por um belíssimo resplendor celestial, e eu podia notar
inúmeras casas de vários tipos, pitorescamente localizadas, como a minha, entre
árvores e jardins. Acomodamo-nos na relva macia, e eu me estirei, como se
deitasse num finíssimo leito. Meu guia perguntou-me se estava cansado. Eu não
tinha a sensação comum do cansaço terreno, mas sentia ainda algo como a
necessidade de repouso do corpo. Disse-me que essa necessidade era proveniente
da minha última doença, e que, se quisesse, podia passar por um profundo sono.
Naquele momento, entretanto, não achei necessário dormir, e respondi-lhe
preferir que conversássemos.
O meu amigo começou dizendo:
— "Tudo quanto o homem
semear, colherá". Essas poucas palavras descrevem exatamente o grande
processo eterno pelo qual tudo que aqui vês é a conseqüência de algo. Flores,
árvores, florestas, as casas, que são também lares felizes de gente feliz —
tudo é o visível resultado da máxima: "Tudo quanto o homem semear,
colherá". Esta terra em que estamos
agora vivendo é a grande colheita, as sementes do que
plantamos na esfera terrena. Todos os que aqui vivem ganharam por si próprios
esse direito através de suas ações na terra.
Eu começava a perceber muitas
coisas, principalmente aquilo que mais de perto me preocupava, ou seja, a
atitude inteiramente errada da Religião sobre o mundo do espírito. O fato de
que ali estava deitado constituía a mais completa refutação de tudo quanto eu
havia ensinado e sustentado durante o meu ministério sacerdotal. Via se
desfazerem inúmeros volumes de ensinamentos ortodoxos, credos e doutrinas,
porque nada significavam, porque não diziam a verdade e porque não se
relacionavam com o que quer que fosse do eterno mundo espiritual do Grande
Criador e Mantenedor de tudo. Podia ver agora com clareza o que antes
vislumbrara indistintamente, isto é, que a ortodoxia é uma criação do homem e
que o Universo é uma dávida de Deus.
Meu guia informou-me que de
onde estávamos eu poderia ver toda espécie de gente em condições diversas, vivendo
em seus lares; pessoas cujos pontos de vista religiosos quando na terra também
eram os mais diversos. Disse ainda que uma das grandes características do mundo
do espírito era as almas serem exatamente as mesmas de momentos antes da
passagem para o mundo espiritual. O arrependimento à hora da morte em nada as
beneficiava, visto que em sua mor parte tais arrependimentos eram devidos à
covardia e ao medo daquilo que estaria por acontecer, o medo do inferno eterno
criado pela Teologia — vantajosa arma do arsenal eclesiástico e uma das que
mais sofrimentos têm causado, entre outras muitas falsas doutrinas. Os credos,
portanto, não formam qualquer parte do mundo espiritual, mas como as pessoas
trazem para êle todas as suas próprias características, cada crente continua a praticar
a sua religião até o instante em que sua mente se torne espiritualmente
esclarecida. Temos aqui — informou-me, e já então eu tinha visto por mim mesmo
— comunidades inteiras ainda praticando suas antigas religiões terrenas, com o
fanatismo e os preconceitos de seus princípios, não obstante apenas no aspecto
religioso. A nin-
guém prejudicam a não ser a si mesmas, pois
confinam-se em suas próprias crenças. Não há contudo qualquer ação no sentido
de conversão religiosa.
Sendo assim, supus então que
a minha velha religião aqui também estaria representada. Estava. Os mesmos
rituais, cerimônias, velhas crenças, eram conduzidos com idêntico, porém
mal-orientado fervor em seus mesmos templos. Os membros dessas comunidades
sabiam que tinham morrido mas julgavam que parte de sua recompensa celestial
seria a continuação das formas terrenas de culto religioso. Assim prosseguirão
até o instante em que despertem espiritualmente. Jamais se exerce pressão
sobre essas almas; sua ressurreição mental deve partir delas próprias. Quando
isto ocorre, experimentam pela primeira vez o real sentido da liberdade.
Meu guia prometeu-me que, se
eu quisesse, poderíamos visitar mais tarde alguns desses agrupamentos
religiosos, mas expúnhamos de muito tempo, e aconselhou-me antes de mais nada
que me habituasse primeiro com a nova vida.
Até aqui continuava no ar a pergunta que eu lhe fizera sobre a alma que
tão bondosa e esplendidamente havia zelado por meu jardim, mas êle já tinha
lido meu pensamento e voltou ao assunto.
Tanto a casa como o jardim, disse-me, eram a messe de meus esforços
terrenos. Tendo merecido o direito de
possuí-los, eu mesmo os havia construído com o auxílio de generosas almas que
se dedicam, em sua vida no mundo do espírito, a praticar atos de bondade em
favor de seus semelhantes. Eram seu
trabalho e prazer a um só tempo. Freqüentemente, essas tarefas eram
empreendidas e levadas a efeito por aqueles que quando na terra foram
especialistas no ofício e que o exerciam com satisfação. Aqui podiam continuar seus ofícios terrenos
sob condições que apenas o mundo do espírito estaria apto a proporcionar. Tais trabalhos lhes traziam a própria
recompensa espiritual, e nenhum pensamento de retribuição lhes vinha à
mente. O desejo de servir aos outros é
que os preocupava.
26
Aquele que me navia auxiliado
a compor tão belo jardim era um amante da jardinagem quando na terra, e, como
eu mesmo podia ver, era um verdadeiro artista em seu ofício. Mas, desde que o
jardim fora criado, já não era necessária a incessante luta para sua
conservação, como ocorre na terra. São a constante decomposição, as
tempestades, os ventos e outras causas diversas que exigem solícitas atenções
aos jardins terrestres. Aqui não há
decomposição, e tudo que cresce assim vive, da mesma forma como nós
existimos. Fui informado de que o
jardim não necessitaria de nenhum cuidado, na forma usualmente entendida por
nós, e que o nosso amigo jardineiro se encarregaria dele, se eu quisesse. Longe
de mim desejar apenas: externei viva esperança de que êle tomasse efetivamente
a seu cargo a tarefa. Disse de minha
profunda gratidão pelo seu esplêndido serviço e que esperava poder encontrá-lo
para expressar-lhe pessoalmente os meus mais sinceros agradecimentos. Meu guia esclareceu-me que isto seria muito
simples e que se ainda não me encontrara com êle, era porque eu havia chegado
há pouco, e êle não desejava apresentar-se até que me instalasse em meu lar.
Minha mente voltou-se de novo
à ocupação que exerci na terra, isto é, a orientação diária dos serviços
religiosos e outros deveres de sacerdote. Desde que tal ocupação, pelo menos no
meu caso particular, já não era mais necessária, fiquei intrigado para saber o
que o futuro me reservava. Meu amigo lembrou-me de novo que muito tempo havia
ainda para ponderar no assunto, e sugeriu que eu devia descansar para depois
acompanhá-lo em algumas viagens de observação. Muito havia para ver, coisas que
iriam me deixar atônito. Havia também numerosos amigos que me aguardavam para
um novo encontro após tão longa separação. Conteve êle a minha impaciência por
iniciar logo as visitas, dizendo que eu deveria descansar primeiro e que nada
melhor para isso do que a minha própria casa. Segui-lhe o conselho e para lá nos
dirigimos.
Já esclareci que ao penetrar pela primeira vez em meu
lar observei ser êle semelhante ao que eu possuía na terra, mas com algumas
diferenças. Logo que entrei, percebi imediatamente as diversas alterações que
haviam sido introduzidas Eram principalmente relativas à estrutura,
modificações essas que eu teria gostado de fazer mas que por motivos vários,
inclusive de base estrutural, jamais pude levar a efeito. Não existem aqui as
dificuldades terrenas, e, por conseguinte, encontrei neste meu lar espiritual,
e numa disposição familiar, tudo aquilo que desejei na vida anterior. Os
requisitos considerados indispensáveis a uma casa terrena eram, aqui,
naturalmente, supérfluos; assim é o caso das provisões de alimentos, para citar
apenas um exemplo: muitos outros podem ser facilmente imaginados.
Enquanto atravessávamos as
várias dependências, eu ia observando as inúmeras provas de consideração e
bondade daqueles que tão ativamente haviam trabalhado para auxiliar-me na
reconstrução do velho lar, na nova condição. De pé no seu interior, fiquei
completamente ciente de sua permanência em comparação com aquele outro que eu
deixara para trás. Mas era uma permanência que eu sabia poder terminar no
momento em que eu quisesse. Tratava-se tão-só de uma casa; era um porto
espiritual, um remanso de paz, onde não existiam as habituais preocupações e
responsabilidades domésticas. O mobiliário era em grande parte semelhante ao
que adquirira para o seu similar na terra, não porque fosse particularmente
belo, mas porque eu o achara prático e confortável, além de adequado às minhas
poucas exigências. A maioria dos pequenos objetos de adorno estava em seus
costumeiros lugares, e no todo a casa possuía aquele ar evidente de ser habitada.
Na verdade, eu me sentia em casa. Na sala que anteriormente havia
sido meu escritório, notei amplas estantes. A princípio, surpreendi-me com o
fato, mas refletindo melhor, não encontrei motivos para que, desde que tal
casa existia, não existissem também livros em seu in
terior. Estava interessado em conhecer a natureza de
tais livros e iniciei assim um exame minucioso. Entre eles, bem à vista, descobri algumas
das minhas próprias obras. Ao deparar
com elas, tive uma idéia nítida da verdadeira razão pela qual lá se achavam.
Muitas continham as narrativas a que me referi anteriormente, ou seja, o relato
das minhas experiências psíquicas, às quais procurei dar um sentido religioso.
Um livro em especial parecia destacar-se em minha mente, e logo me certifiquei
de que nunca deveria tê-lo escrito. Era
uma narrativa deturpada em que os fatos, tais como os tinha visto na realidade,
recebiam um tratamento injusto e mentiroso.
Senti profundo remorso, e pela primeira vez desde que chegara a este
mundo, tinha motivos para me lamentar. Não que me arrependesse de ter vindo,
mas lamentava que, vendo a verdade diante de meus olhos, eu a tivesse
delibe-radamente evitado, para em seu lugar divulgar interpretações falsas. E
eu sabia que, enquanto meu nome existisse, ou por outra, enquanto tivesse valor
comercial, aquele livro continuaria a ser reproduzido, lido e considerado como
verdadeiro. Vinha-me a sensação desagradável de que jamais poderia destruir o
que fizera.
Não havia qualquer censura a
meu ato. Pelo contrário, eu podia sentir uma nítida atmosfera de profunda
simpatia. De onde provinha, não o sabia; entretanto, era real, autêntica.
Voltei-me para o amigo que durante a minha inspeção e descoberta havia se
mantido discreta e compreensivamente à parte, e pedi-lhe auxílio. Recebi-o
imediatamente. Explicou-me que sabia perfeitamente o que eu estava enfrentando
em relação àquela obra, mas que lhe era vedado referir-se a ela antes que eu o
descobrisse por mim mesmo. Uma vez que isso acontecera, e em vista do meu
pedido, podia êle agora ajudar-me.
Minha primeira pergunta foi
sobre como poderia sanar o erro. Disse-me que de várias maneiras, umas talvez
mais difíceis, porém, mais eficazes do que outras. Sugeri que eu poderia voltar
ao plano terrestre e lá difundir a verdade sobre esta nova vida e sobre a comunicação entre os dois mundos. Inúmeros o
haviam tentado — respondeu-me — e ainda tentavam, mas quantos eram acreditados?
Julgaria eu ser melhor sucedido? Com toda a certeza os meus leitores jamais
receberiam ou dariam crédito a qualquer comunicação minha. E não percebia eu,
também, que se me apresentasse a eles, imediatamente me iriam tomar pelo demônio?
— Permite-me — continuou —
falar a respeito da comunicação com o mundo terrestre. Que é possível, bem
sabes que sim, mas tens alguma noção sobre as dificuldades dessa tarefa? Vamos
supor que descubras os meios de comunicar-te. O primeiro obstáculo a enfrentar
seria a tua própria identificação. É bem provável que, ao dizeres quem és,
eles hesitem em aceitar o teu nome, simplesmente por ter sido êle tão notável
enquanto eras vivo. Por mais importantes que sejamos, ao passarmos para o
plano espiritual somos referidos na terra apenas no tempo passado. Os livros que pudemos legar
são considerados mais importantes do que o próprio autor, visto que para o
mundo estamos mortos, nossa voz humana deixou de existir. E apesar de estarmos bem vivos, —
tanto para nós como para os outros aqui — entre os mortais nada mais somos que
lembranças, às vezes permanentes, às vezes recordações que se desvanecem
rápidas, deixando meros nomes em sua esteira. Sabemos, todavia, que estamos
muito mais vivos do que antes, se bem que a maioria na terra considere que não
podíamos estar mais mortos.
Poderás então fornecer certo número de informações, e
isso é justo, contanto que não te excedas, como inúmeras vezes tem ocorrido.
Satisfeitas estas exigências, que virá depois? Desejarás explicar que estás
vivo e são. Se as pessoas com as quais estiveres em contato não forem meros
amadores, nenhuma dúvida pairará sobre tuas declarações. Mas se quiseres
anunciar tais novidades ao mundo em geral, por intermédio dos meios usuais, vão
acreditar na tua identidade só aqueles que já conhecem e praticam a comunicação
com o mundo do espírito. Quanto aos demais, quem acreditará em tua palavra?
Ninguém, certamente, e muito menos os teus antigos leitores. Dirão que não és tu e sim um de
mônio. Outros, provavelmente, nem
tomarão conhecimento de ti. Um certo número de pessoas, sem dúvida, iria
imaginar que, por teres passado ao mundo do espírito, já terias adquirido a
mais profunda sabedoria, e que tuas palavras constituiriam declarações
infalíveis. Estás vendo, assim, algumas das dificuldades que terás de enfrentar
na divulgação da Verdade entre aqueles que ainda vagam nas sombras do mundo
terreno.
As previsões de meu amigo
desalentaram-me sobremaneira; avaliei os inúmeros obstáculos, e fiquei
convencido de que devia abandonar o projeto por algum tempo. Consultaríamos
outros mais sábios do que nós, e talvez me ocorresse alguma solução. Com o
passar do tempo, — falando em sentido terreno — eu poderia também mudar esses
planos. Não devia, pois, afligir-me. Ainda muito havia para ver e fazer, e
muita experiência para ser adquirida — o que seria valioso para mim, se
resolvesse levar avante os meus projetos. Meu guia aconselhou-me a descansar,
que êle ia retirar-se. Quando me sentisse inteiramente repousado, bastava
dirigir--lhe os meus pensamentos e êle voltaria imediatamente. Deixei-me,
pois, ficar numa confortável poltrona e entrei em agradável estado de
sonolência; embora inteiramente consciente do que me rodeava, sentia-me
invadido por novas energias, que fortaleciam todo o meu corpo. Era como se me
tornasse cada vez mais leve, dissipando-se para sempre os últimos restos de
minha condição terrena. Por quanto tempo permaneci nesse estado não posso
avaliar, mas pouco a pouco um suave torpor invadiu-me, e quando despertei foi
com aquela disposição de saúde que na terra chamamos de hi-gidez. Lembrei-me a
seguir das palavras do guia e dirigi-lhe meu pensamento. Em poucos segundos (do
tempo terrestre), entrava êle pela porta. Esse movimento instantâneo surpreendeu-me
bastante, o que o fez rir. Explicou-me que na verdade tudo era muito simples. O
mundo espritual é um mundo de pensamentos: pensar é agir, e o pensamento é
Instantâneo. Se nos imaginarmos num determinado lugar, para lá viajaremos com a
velocidade desse pensamento. Eu logo
veria ser esse o meio usual de locomação e breve seria
capaz de utilizá-lo.
Meu guia logo notou a mudança
operada em mim e congratulou-se comigo porque me refizera. Seria impossível
explicar tão magnífica sensação de completo bem-estar e vitalidade. Quando
vivemos no plano terrestre estamos sempre, e por diversas maneiras, sentindo o
nosso corpo físico: pelo calor ou pelo frio, pelo desconforto, fadiga, pelas
mínimas doenças e por inúmeros outros fatores adversos. Aqui não há tais
inconvenientes. Por outro lado, não quero dizer que somos insensíveis, imunes a
influências externas; nossas percepções são de ordem mental e o nosso corpo
espiritual é impenetrável a tudo quanto seja destrutivo. Sentimos através da
mente e não de qualquer órgão físico dos sentidos; nossas reações estão
diretamente ligadas aos pensamentos. Se sentimos frio, em qualquer
circunstância especial e definida, tal sensação nos vem pela mente, nada
sofrendo o corpo espiritual. Nesta esfera de existência tudo se harmoniza com
os habitantes: a temperatura, a paisagem, as moradias, as águas dos rios e das
fontes, e, o que é mais importante, os próprios habitantes. Não há, portanto,
nada que possa provocar adver-sidades, desprazer ou desconforto. Podemos nos
esquecer completamente do corpo e permitir que nossas mentes sejam
absolutamente livres, e através delas usufruir as belezas que elas mesmas
ajudaram a construir. E muitas vezes podemos nos sentir tristes, — muitas vezes
nos divertimos — com aqueles que, ainda na terra, lançam o ridículo e o
desprezo sobre nossas informações. Que sabem eles, pobres diabos? Nada! E que
podem oferecer em substituição às realidades do mundo do espírito? Nada, pois
nada sabem. Gostariam de nos privar de nossos belos campos, flores e árvores,
dos nossos rios e lagos, nossas casas, nossos amigos, trabalhos, prazeres e
diversões. Para quê? Qual a concepção que podem ter essas acanhadas
mentalidades de um mundo espiritual? Pelas suas afirmações absurdas, nenhuma.
Transformar-nos em fantasmas, é o que desejariam, fantasmas sem substância nem
inteligência, meramente subsistindo num vago, sombrio e nebuloso estado,
apartados de tudo quanto é humano. Aqui, em minha perfeita saúde, cheio de
vitalidade, e vivendo entre as maravilhas de um mundo verdadeiramente real, do
qual quero dar-lhes apenas uma vaga idéia, sinto-me fortemente impressionado
pela imensa ignorância demonstrada por certas mentes terrenas, a este respeito.
Chegara o momento, acreditei,
em que deveria conhecer algo desse esplêndido plano de existência, e assim,
acompanhado de meu guia, partimos para aquilo que, no meu entender, seria uma
viagem de descobrimentos. Aqueles que já percorreram o mundo à procura de novas
paisagens, compreenderão como eu me sentia ao partir.
Para conseguir uma visão mais
ampla, encaminhamo-nos a uma região elevada, de onde um límpido panorama se descortinou
ao meus olhos. À nossa frente estendia-se um campo interminável. Noutra direção
via-se o que parecia ser uma cidade de imponentes edifícios. Deve-se ter
presente que aqui nem todos têm as mesmas predileções; acontece como na terra,
em que muitos preferem a cidade ao campo e vice-versa, e outros apreciam a
ambos. Eu estava vivamente interessado em saber como seria uma cidade espiritual.
Fácil era imaginar o campo, mas a cidade sempre me pareceu essencialmente obra
terrena. Por outro lado, não me ocorria uma objeção lógica a que o mundo
espiritual não pudesse também construir cidades. Meu companheiro divertia-se
muito com o meu entusiasmo, na sua opinião igual ao de um colegial. Não era a
primeira vez, entretanto, que encontrava tal entusiasmo. A maioria das
pessoas, ao chegar, é tomada de idênticas emoções, o que proporciona aos nossos
amigos um especial prazer em nos acompanhar.
Via-se à distância uma igreja
aparentemente construída nas linhas usuais; decidimos seguir naquela direção,
observando outras coisas de passagem. Fomos por um caminho que acompanhava em
certos pontos um riacho, cuja água cristalina brilhava à luz do sol celestial.
Ao correr, a água emitia notas musicais, combinando-as numa rapsódia das mais
suaves sonoridades. Aproximamo-nos da margem para que eu o pudesse observar
mais de perto. Assemelhava-se a um cristal líquido e, ao ser tocado pela luz,
cintilava com todas as cores do arco-íris. Mergulhei um pouco a minha mão na
água, certo de que, como parecia, ela seria gelada. Qual não foi a minha
surpresa ao senti-la deliciosamente tépida. Além disso, produzia um efeito
eletrizante, que se propagava da mão por todo o braço. A sensação era
estimulante, e eu pude imaginar como seria se me banhasse inteiramente nela.
Meu amigo disse que me sentiria revigorado, mas não havia suficiente
profundidade para uma imersão total. Não me faltaria oportunidade, quando
chegássemos a um curso maior. Ao retirar a mão, verifiquei que a água escorria
em brilhantes gotas, deixando-a completamente seca.
Retomamos a viagem e meu guia
disse que gostaria de me levar a visitar o proprietário de uma casa, da qual
nos aproximávamos. Caminhamos por um artístico jardim de gramados esmeradamente
cuidados e chegamos até um homem sentado nas proximidades de um pomar. À nossa
chegada ergueu-se e recebeu meu amigo da maneira mais cordial; fui então
apresentado como um recém-chegado. Soube que este senhor se orgulhava das
frutas de seu pomar; a seguir, convidou-me a prová-las. Parecia êle um homem de
meia-idade, embora pudesse ser na realidade mais velho do que aparentava à
primeira vista. Aprendi então que tentar predizer as idades das pessoas deste
mundo seria tarefa difícil e até mesmo perigosa. É necessário saber — e
permitam-me divagar um pouco — que a lei aqui é no sentido de que, à medida que
progredimos espiritualmente, vamos nos desfazendo daquela aparência idosa
conhecida na terra. Perdemos as rugas que o tempo e as preocupações imprimem
nos nossos semblantes, assim como outras indicações do avanço da idade, e
tornamo-nos mais jovens à medida que adquirimos mais experiência em sabedoria,
conhecimento e espiritualidade. Mas não direi que possamos assumir um aspecto
de completa juventude, nem perder as características externas da personalidade.
Isto seria nos transformar num todo uniforme. O certo é que retrocedemos ou
adiantamo-nos — de acordo com a nossa idade quando passamos a espíritos — em
relação àquilo que em geral se conhece como a flor da idade.
Para resumir: nosso anfitrião
introduziu-nos no pomar, onde vi inúmeras árvores muito bem cultivadas e
carregadas de frutas. Olhou-me por um
instante e conduziu-nos então a uma esplêndida árvore que se parecia bastante
com uma ameixeira. As frutas eram
perfeitas na forma, ricas em cor e pendiam em grandes cachos. Colheu algumas e
ofereceu-nas, assegurando que nos fariam bem.
Eram frescas ao tato e notavelmente pecadas para o seu tamanho; o sabor,
delicioso, a polpa, macia, sem ser difícil nem desagradável de tocar, e uma
quantidade de suco semelhante ao néctar, escorria delas. Meus dois amigos observavam-me atentamente
enquanto eu comia umas ameixas, ambos revelando uma expressão de jovial expectativa. Sendo abundante o suco, eu temia que
escorresse sobre a minha roupa. Escorria sim, mas não a manchava, o que me
maravilhou, provocando o riso de meus amigos.
Apressaram-se então a explicar que, estando eu num mundo incorruptível,
tudo quanto não se aproveita é imediatamente devolvido ao elemento de
origem. O suco das frutas que eu
julgara escorrer sobre mim voltara à árvore de onde proviera. Nosso anfitrião informou-me que o tipo
especial de ameixa que eu acabara de comer era recomendado aos recém-chegados;
facilitava a restauração do espírito, especialmente se o passamento se dera
por moléstia. Observou, entretanto, que
eu não parecia ter sofrido uma longa doença, e que, possivelmente, o meu
falecimento deveria ter sido algo repentino, o que era a verdade. Eu estivera realmente muito pouco tempo
doente.
As frutas daquele pomar não
eram apenas para os que necessitassem de algum tratamento após a morte física,
mas estavam à disposição de quem quer que os desejasse comer pelo seu efeito estimulante.
Disse-me que se eu não possuísse
35 árvores frutíferas, ou mesmo que as tivesse, poderia
servir-me das suas, a qualquer hora.
— As frutas estão sempre no tempo — acrescentou — e jamais encontrarás uma árvore sequer
sem elas.
Respondendo à minha pergunta
sobre como eram cultivadas, declarou que, assim como a inúmeras outras
perguntas nestas paragens, a resposta só poderia vir dos planos mais elevados e
que, mesmo que a obtivéssemos, havia grande probabilidade de só a entendermos
quando vivêssemos também naqueles planos.
— Aceitamos as coisas como são e como surgem — disse êle, — sem nada
indagar, pois formam elas um interminável estoque provindo de uma interminável
Fonte. Não há realmente necessidade de aprofundar tais assuntos, e a maioria
aqui se satisfaz em usufruir de tudo com os corações gratos.
Quanto às frutas, o nosso
anfitrião acrescentou que tudo quanto sabia era que, tão logo eram colhidas,
outras vinham substituí-las. Nunca amadureciam demais, por serem perfeitas, e,
como nós, imperecíveis. Convidou-nos a caminhar através do pomar onde vimos uma
grande variedade de frutas, na maioria espécies conhecidas pelo homem, e muitas
também apenas imaginadas, por intermédio de informações espirituais.
Experimentei algumas de espécies desconhecidas; seria impossível descrever seu
delicioso sabor, não há fruta terrestre que possa servir de base para uma
comparação. Somente podemos dar indicações aos sentidos pela comparação com
algo já experimentado. Se não tivermos tido essa experiência ficamos
completamente impossibilitados de transmitir qualquer sensação nova; e em
nenhum campo esse fato pode ser melhor observado que no do paladar.
Meu amigo explicou ao nosso
cordial anfitrião que êle estava me mostrando a terra em que deveria viver desde
então, ao que êle renovou o convite para visitá-lo sempre que o desejasse, e
que não era preciso a sua presença para que eu me servisse do pomar. Após os
agradecimentos, continuamos a nossa jornada.
Voltamos ao caminho ao lado
do ribeirão, prosseguindo em direção da igreja. Notei então que aquele pequeno
curso de água ia se alargando, até adquirir as dimensões de-um lago de
proporções regulares. Viam-se grupos de pessoas às margens e algumas se
banhando. O lago era cercado por árvores, e havia muitas flores, de tal modo
dispostas vque, embora obedecessem a certa ordem, não davam contudo
nenhuma idéia de propriedade. Pertenciam a todos com direitos iguais. Ninguém
as maltratava. Algumas pessoas podiam ser vistas com ambas as mãos em torno de
algumas flores, em atitude acariciante; maneiras assim extraordinárias
despertaram a minha curiosidade, e pedi a meu guia uma explicação. Sua resposta
foi levar-me para perto de uma jovem, naquela atitude estranha. Senti-me
embaraçado pela intromissão, porém me disseram: — "espera e vê". Meu
amigo curvou-se ao lado dela e foi recebido com um sorriso e palavras de
boas-vindas. Concluí que eram velhos amigos, no que me enganara. Realmente,
como depois me disseram, nunca se haviam visto antes; simplesmente aqui não
necessitamos de apresentações formais; constituímos uma grande e unida
família. Depois de nos acostumarmos com o novo ambiente e sistema de vida,
verificamos que nunca seremos intrometidos se pudermos ler com rapidez o pensamento
de uma pessoa que deseje um período de isolamento. E ao vermos gente ao ar
livre podemos nos considerar bem-vindos caso nos aproximemos para conversar.
Aquela jovem era, como eu, uma recém-chegada e
contou--nos como alguns amigos lhe ensinaram a extrair das flores tudo quanto
elas profusamente oferecem. Curvei-me ao lado
dela, que me fêz uma demonstração prática. Colocando as mãos em volta da flor
como a formar uma taça, eu poderia sentir uma força magnética subir-me pelos
braços. Ao dirigir as mãos para uma bela flor, percebi que ela se curvava no
caule para
mim! Fiz
como me ensinara, e incon-tinenti senti uma corrente de vitalidade percorrer-me
os braços, enquanto um delicioso perfume se exalava da flor. Advertiu-me a não
colher as flores, pois elas eram eternas, faziam parte desta vida, como nós
mesmos. Fiquei-lhe grato pelo aviso,
37
visto que seria a mais natural das ações apanhar
flores que se viam em tamanha profusão. Não acontecia o mesmo com os frutos,
que se destinavam a ser consumidos. As flores eram decorativas, e colhê-las
seria como cortar as árvores frutíferas. Entretanto, outras flores existiam
para serem colhidas. As que estava vendo agora serviam apenas para oferecer e
renovar a vitalidade.
Indaguei de minha amiga se
acaso já experimentara as maravilhosas frutas, ao que me respondeu
afirmativamente.
O guia sugeriu que nos
aproximássemos da água e que se a jovem estivesse só, e quisesse nos
acompanhar, seria motivo de prazer. Ela assentiu ao convite, e, assim, nós três
nos aproximamos do lago. Expliquei-lhe que meu amigo era um habitante já afeito
a estas paragens e que me servia de guia e conselheiro. Ela parecia
rejubilar-se pela nossa companhia, não que estivesse solitária, pois solidão é coisa
inexistente nesta região, mas por ter tido raros amigos enquanto viva, embora
nunca tivesse sido indiferente às penas, preocupações e dores dos outros. Desde
que se tornara espírito, havia encontrado tantas almas bondosas de disposição
semelhante à sua, que logo acreditara fôssemos também. Forneci-lhe alguns
pormenores a meu respeito e como estivesse ainda usando minha vestimenta
terrena — ou melhor, a sua equivalente — foi-lhe possível identificar-me com o
que eu havia sido profissionalmente. E como o meu amigo também se vestisse da
mesma maneira, ela declarou, rindo, que se sentia a salvo em nossas mãos!
Lembrei-me do que se dissera
antes acerca dos banhos, mas receei especificar o equipamento necessário para
tomá-los. Meu amigo, porém, tirou-me dessa situação deveras embaraçosa,
referindo-se, êle mesmo, ao assunto.
Tudo o que era necessário
para gozar as delícias de um banho era a água, só isso! Nada mais simples:
entrar na água exatamente como estávamos. Nadássemos ou não, isso pouco
importava. Devo confessar que fiquei estupefato com aquilo e, naturalmente,
hesitei um pouco. Entretanto, meu amigo entrou calmamente no lago, ficando
totalmente sub-
merso. Seu gesto nos encorajou e, seguindo o seu
exemplo, nós também nos atiramos na água.
O que eu esperava de tudo
isso, não me lembro. Pelo menos antecipava o efeito habitual da água em
idênticas circunstâncias na terra.
Foi, pois, muito grande a
minha surpresa e, ao mesmo tempo, o meu alívio, quando verifiquei que a água,
mais do que um líquido penetrante, era como que um manto morno me envolvendo. A
ação magnética da água era semelhante à do riacho em que molhara as mãos.
Porém, aqui a força revigorante envolvia o corpo, insuflando-lhe nova vida. Era
a água deliciosamente quente, sendo possível ficar de pé, flutuar ou afundar
completamente, isto é, abaixo da superfície, sem que isso representasse
qualquer perigo ou incômodo. Se eu tivesse refletido, teria logo verificado
que isso era inevitável. O espírito é indestrutível. Mas, além dessa
influência, magnética, havia, proveniente da água, uma confiança dupla, como
que uma sensação afetiva, se assim se pode dizer. Não é fácil dar uma idéia
precisa desta experiência, fundamentalmente espiritual. Que a água era viva,
não se podia duvidar. Irradiava sua bondade pelo contato e estendia sua
celestial influência a todos os que a usavam. De minha parte, confesso que
experimentei uma exaltação espiritual, uma regeneração vital, a tal ponto, que
esqueci minha hesitação inicial e o fato de estar inteiramente vestido!
Minha mente estava livre de
perturbação ao lembrar-me de que, ao retirar a mão do riacho, a água escorrera,
deixando-a completamente seca. Estava, portanto, preparado para o que se
seguiu quando saímos do lago. Ao emergirmos, a água escorria, deixando minhas
roupas como se encontravam antes. A água havia penetrado o tecido como o ar ou
a atmosfera o fazem, porém sem deixar qualquer sinal visível.
Mais uma observação a
respeito da água: era límpida como o cristal, e a luz, em cores quase
ofuscantes, se refletia em suas ondas.
Era excepcionalmente suave ao tato, e sua
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leveza tinha a mesma qualidade da atmosfera, isto é,
suportava tudo o que nela ou sobre ela se colocasse. Assim como é impossível
aqui cair por acidente, o que pode acontecer na terra, também o é afundar na
água. Todos os nossos movimentos refletem diretamente as nossas mentes, e,
assim, não podemos nos machucar ou sofrer acidentes. Receio que não consiga
descrever alguns destes fenômenos sem ir além do alcance de mentalidades e
experiências terrenas. Somente as testemunhas oculares podem ter uma idéia
precisa das maravilhas destas paragens.
Após curta caminhada,
chegamos à igreja que eu avistara à distância e que alimentava o desejo de
visitar. Tratava-se de um templo de construção gótica, de tamanho médio,
semelhante às igrejas paroquiais da terra. Estava situado em agradável recanto, que se
nos afigurava mais espaçoso em virtude de não existirem grades ou muros
demar-cadores dos seus limites eclesiásticos. O revestimento de pedra com que o
templo foi construído tinha a frescura própria dos prédios novos; mas, na
verdade, êle existia há muitos anos terrenos. Sua limpeza exterior estava de
acordo com todas as coisas daqui: não há decadência. Não existe também aquele
ar enfumaçado que dá ao excursionista uma impressão desoladora. Não havia, é
claro, um cemitério anexo. Apesar de muita gente praticar ardorosamente suas
religiões prediletas da terra, é evidente que, ao se erigir um templo aqui, é
desnecessário e inútil construir também um cemitério.
À entrada havia o usual
quadro para afixação de avisos, mas onde se mencionava apenas a natureza dos
serviços da Igreja Estabelecida. Não figurava ali o horário dos cultos, e
pus-me a refletir como uma organização desta espécie poderia reunir-se se o
tempo, como é conhecido no mundo, não tem existência. Aqui não há noite e dia,
alternadamente, pelos quais o tempo possa ser medido. É dia perpétuo. O grande
sol celestial brilha eternamente, como já disse. Não temos também as muitas outras indicações do passar do tempo,
como por exemplo fome e fadiga. Nem aquelas do envelhecer do corpo e do
embotamento das faculdades mentais.
Aqui não há o ciclo de primavera, outono e inverno; em
lugar deles gozamos a gloria de eterno verão — e nunca nos cansamos disso!
Como sempre, voltei-me para indagar de meu amigo a
respeito das reuniões de congregações. Era muito simples, disse êle. Quem
estiver encarregado delas, tem apenas que enviar seus pensamentos para a sua
congregação, e aqueles que desejam vir, se reúnem. Não há necessidade de tocar
os sinos, pois a emissão do pensamento é muito mais completa e exata. Os
paroquianos têm apenas que esperar até que os pensamentos os alcancem para se
congregarem. Mas onde obtém o prelado a indicação de que se aproxima a hora do
culto? Essa questão, me disse êle, fazia surgir um problema muito maior.
Com a ausência do tempo
terreno no mundo do espírito, nossas vidas são ordenadas por acontecimentos, isto é, aqueles que são parte
da nossa vida. Não me refiro às ocorrências incidentais, mas às que na terra
são consideradas acontecimentos periódicos. Temos aqui muitos desses
acontecimentos, como espero demonstrar à medida que desenvolvo a narrativa, e
ao fazê-lo verão como nós sabemos que a realização de certos atos, individuais ou
coletivamente, nos são claramente lembrados. A igreja que agora visitávamos
havia estabelecido uma ordem regular de serviços, como aqueles a que estamos
acostumados na terra. O prelado que trabalhava como pastor desse estranho
rebanho sentiria, pelos seus de-veres cotidianos na terra, a aproximação do dia e hora usuais em que os cultos eram
mantidos. Seria, por assim dizer, instintivo, e tornar-se-ia mais acentuado com
o hábito, até que a percepção mental adquirisse absoluta regularidade, como no
plano terreno. Assim, a congregação, tem apenas que esperar o chamado de seu
ministro.
A tabuleta de avisos dava uma
lista dos serviços usuais vistos geralmente numa igreja terrena da mesma
denominação. Um ou dois itens estavam entretanto visivelmente ausentes, como os
comunicados de casamentos e batizados.
A primeira omissão podia-se compreender, e a última podia apenas
significar que o batismo é desnecessário, visto que o batizado estaria no Céu
— onde se presume que esta igreja esteja situada.
Entramos e vimos um encantador edifício, de desenho
convencional. Havia belíssimos vitrais
representando cenas da vida de santos, através dos quais se espargia uma luz, vinda de todos
os lados da igreja e produzindo um estranho efeito no ambiente, devido ao seu
colorido. Providências para aquecer o
prédio eram, é claro, supérfluas. Havia
um esplêndido órgão numa das extremidades, e o altar-mor era ricamente
trabalhado. Fora isso, havia certa simplicidade, que de maneira alguma afetava
a beleza geral da peça de arquitetura.
Havia sinais evidentes de cuidadoso trato por toda parte. Sentamo-nos um pouco, gozando a paz e a calma
do lugar e, tendo visto tudo que ali havia, retomamos ao ar livre.
Continua no Bloco II - Lar Para Repouso
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